Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 02 de janeiro de 2020

O Caso Richard Jewell (2020): quando a história é melhor que o filme

Em mais uma tentativa de desenhar o herói americano, Clint Eastwood cai em velhos clichês e personagens mal desenvolvidos. À exceção do drama, há pouco no filme que não soe datado e antiquado.

Dos muitos rumos que “O Caso Richard Jewell” poderia seguir, o diretor Clint Eastwood opta por acompanhar todos os eventos a partir do ponto de vista do acusado, o que seria uma boa justificativa para estabelecer a empatia do público com o protagonista. Porém, Eastwood precisa assumir uma segunda narrativa, desenvolver um “vilão” e criar uma jornada de redenção para a história do personagem-título. E, neste processo, ele acaba demonstrando algumas das suas maiores fragilidades como cineasta.

A trama acompanha Richard Jewell (Paul Walter Hauser), um segurança que encontra uma mochila com explosivos durante um show. Graças a sua atuação, diversas pessoas que estavam no local foram salvas, mas Jewell acabou se tornando o principal suspeito do atentado, e precisará provar a sua inocência para o FBI e para o mundo.

Nos últimos anos, Eastwood parece ter se dedicado a contar histórias sobre personagens que refletem os papéis que ele mesmo representou no cinema: o (anti-)herói solitário – homens brancos que surgem como os grandes salvadores. Eles rejeitam a popularidade que recebem (ou não sabem lidar com ela), amam armas e, por diferentes motivos, possuem uma vida com poucas pessoas em seus círculos de amizade (muitos deles são solteiros, viúvos ou divorciados).

Essa escolha por um tipo específico de personagem define o que se tornou o cinema de Eastwood em outros aspectos. Em “O Caso Richard Jewell”, por exemplo, uma das vilãs é a mídia, personificada no papel de Olivia Wilde. Mais do que uma jornalista, ela representa tudo o que há de mais vil no jornalismo. A falta de ética da personagem não é disfarçada, mas trabalhada como um recurso narrativo. Se por um lado a crítica é importante, conforme a trama avança, é possível ver como as escolhas de roteiro para a jornalista são frágeis. Mais incômodo é ver como, mesmo no papel de vilã, Wilde não possui espaço para ser mais que uma personagem sem camada ou profundidade.

Em partes, isso acontece porque Eastwood coloca a câmera sempre muito próxima de Hauser, para enfatizar a injustiça sofrida pelo protagonista. Isso também permite criar um elo maior entre ele e sua mãe, Bobi Jewell (Kathy Bates). Vítima indireta das acusações que caem sobre Richard, o roteiro repete constantemente a crueldade do FBI com a pobre senhora — a personagem não cansa de repetir que os agentes levaram até seus Tupperwares.

E, enquanto Eastwood segue atacando a mídia (e o abuso de autoridade), ele desenha o herói americano, injustiçado por ser um homem de bem. A contraparte deste herói é seu advogado, Watson Bryant (Sam Rockwell), única pessoa que o tratou com respeito, como admite o próprio Jewell em determinado momento. Se opondo ao Estado, Bryant esnoba qualquer figura de autoridade, algo que seu figurino parece querer gritar para o público o tempo todo.

Em determinado momento de “O Caso Richard Jewell”, o protagonista, diz ao agente do FBI Tom Shaw (Jon Hamm), que não é homossexual. Um momento de alívio cômico sem qualquer propósito narrativo, mas que diz muito sobre o tom do filme — e sobre o que o cinema de Clint Eastwood se tornou nos últimos anos. Embora existam méritos na maneira como o cineasta desenvolve sua trama, o resultado é datado e soa pouco interessante.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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