Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de novembro de 2019

O Relatório (2019): fins que não justificam meios

Baseado em fatos, este thriller político conta com Adam Driver e Annette Bening para investigar as infames técnicas de tortura utilizadas pela CIA após os atentados de 11 de setembro.

Escrito e dirigido por Scott Z. Burns, “O Relatório” leva sua função de contar uma história real tão a sério quanto seu protagonista trata seu objetivo. Os eventos que inspiraram este thriller político giram em torno do trabalho de Daniel Jones (Adam Driver), contratado pela senadora dos EUA Dianne Feinstein (Annette Bening). Sua obrigação era liderar uma investigação sobre métodos “especiais” usados pelo país para obter informações após o ataque terrorista de 11 de setembro. Tais métodos faziam parte de um programa criado pela CIA, que aplicava formas de tortura em prisioneiros sob o rótulo de “técnicas reforçadas de interrogatório”. Graças ao implacável esforço de Daniel, o extenso relatório que dá nome ao filme pode ser produzido e publicado em 2014.

O volume de informações e perspectivas sobre o complexo caso é apresentado pelo roteiro da obra a partir das vozes de um grande elenco, como Jon Hamm, Matthew Rhys, Maura Tierney, Michael C. Hall e Tim Blake Nelson. Além de seus próprios personagens, eles representam as grandes instituições norte-americanas de poder, do legislativo ao executivo, republicanos, democratas e apartidários. Scott Z. Burns apresenta os conflitos das diferentes partes de maneira elegantemente didática. Suas cenas vão direto ao ponto, sem comprometer demais a veracidade dos diálogos. É interessante a comparação com os trabalhos de Aaron Sorkin e David Fincher, que já exploraram temas políticos controversos com vozes autorais muito mais presentes, para o bem ou para o mal.

A troca por essa clareza didática sobre o caso vem com o sacrifício de dimensões mais profundas de personagens. Apesar de Adam Driver e, em especial, Annette Bening fazerem um excelente trabalho de caracterização, a densidade do tema não permite explorar oportunidades para desenvolvimento de personagens. Como consequência, é mais difícil para o público sentir o que está em jogo para eles a não ser quando o roteiro explicita os conflitos. Por outro lado, seus movimentos heroicos têm o tom devidamente diminuído pelas ótimas performances de ambos os atores. Já aqueles, cujo envolvimento recai do lado oposto da moeda, acabam atuando de maneira mais maniqueísta.

A frieza no roteiro e na monotonia do trabalho de Daniel Jones encontram rima nas cores uniformes da fotografia de Eigil Bryld, profissional que já havia retratado a capital Washington para a primeira temporada da série “House of Cards“. A textura do concreto e do isolamento dos edifícios marca a produção de maneira positiva, mas o mesmo não pode ser dito para as modificações na imagem dos eventos passados. Flashbacks dramatizam episódios em diferentes pontos da linha cronológica e a mão pesada da fotografia marca cada um deles. Novamente, são escolhas que priorizam a clareza e a didática da história contada apesar de não serem tão artisticamente sutis.

Inicialmente, o tom documental de “O Relatório” predomina, mas são reservadas para a metade final discussões mais intensas sobre o papel das instituições americanas no caso. A moralidade das ações das diferentes partes é colocada em pauta e aqui é onde o filme tem seu maior êxito. Examinar esses eventos tão relativamente recentes e o que eles significam para a sociedade estadunidense é mais que honroso. Ele discute importantes limites para políticas de segurança e proteção de uma nação e quando os fins não justificam os meios. Dessa forma, a obra propõe conversas que interessam não só ao público dos EUA, mas também à comunidade mundial inteira, sendo exemplo de como as instituições não podem deixar de questionar seu papel nem nos momentos mais difíceis.

William Sousa
@williamsousa

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