Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 24 de novembro de 2019

A Dama e o Vagabundo (2019): magia que não se perde

Primeira adaptação de uma animação clássica da Disney feita direta para o streaming funciona ao apelar para o espírito nostálgico de quem já conhece a obra de 1955, mas também tem muito a oferecer para as novas gerações que nunca viram o desenho.

Com a revolução no consumo de conteúdo audiovisual trazida com o streaming, a Disney não ficaria muito tempo sem lançar o seu serviço próprio. O Disney Plus já chegou com obras feitas pela empresa diretamente para a plataforma e uma delas é outra adaptação de uma animação clássica em live-action, desta vez, “A Dama e o Vagabundo”.

Utilizando vários cachorros resgatados, a produção retoma o espírito da original ao mesmo tempo que oferece uma história mais sólida, adicionando cerca de 30 minutos a mais na duração total do filme. Assim como a maioria das adaptações em live-action da Disney, a trama base é utilizada em sua integralidade. Aqui temos a história de dois cachorros: Dama (voz de Tessa Thompson), criada num lar abastado e carinhoso, e outro sem nome, mas apelidado pelos amigos de Vagabundo (Justin Theroux), criado nas ruas. Ao ilustrar a vida confortável, segura e tranquila da cadela e a vida de dificuldades do cão, que todo dia precisa se valer de sua malandragem para conseguir comida, o longa espelha diferenças entre classes sociais no singelo romance que ainda funciona.

O valor de produção é, conforme esperado, menor do que as adaptações feitas para o cinema, mas é competente o bastante para que isso não chame a atenção. A bela tomada inicial coloca o espectador numa romântica e etérea Londres do início do século XX, dando o tom fantasioso e irreal apropriado para uma história de amor entre cães falantes. Este óbvio clima de uma realidade imaginária contribui para que certas mudanças funcionem, como um elenco mais diverso representado principalmente em uma mulher negra casada com um homem branco parte da aristocracia britânica. Levando em conta o racismo da época, esse fato é inverossímil no mundo real, mas funciona neste filme de atmosfera imaginária e utópica.

Os minutos incluídos oferecem boas melhorias em relação à obra original, como uma pequena e bem-vinda história sobre o passado do protagonista, que torna sua maneira de ver a vida mais narrativamente encorpada. Uma decisão tomada pelo casal de humanos perto do fim também faz bem mais sentido nesta adaptação, com inclusões certeiras de pequenos elementos que deixam a trama mais fluída. Boas decisões do diretor Charlie Bean, que mantém um bom ritmo. Entretanto, há um destaque maior dado ao homem da carrocinha. Com uma vendeta pessoal contra o Vagabundo, ele acaba tomando um tempo de tela desnecessário ao desenrolar da trama principal, mas que pelo menos tem uma divertida atuação de Adrian Martinez.

A história engata mesmo quando o casal (Kiersey Clemons e Thomas Mann) dono de Dama tem um bebê, fato que se mescla com o primeiro encontro entre os cães e desenrola uma cadeia de acontecimentos que acaba com a protagonista perdida nas ruas. Lá, a dupla do título vive uma pequena jornada onde aprendem um com o outro e se aproximam, culminando na icônica cena do espaguete com almôndegas que, obviamente, está presente, e é um baita acerto. Com Arturo Castro e F. Murray Abraham cantando a música Bella Notte, toda a sequência exala romance, magia e nostalgia, e dá uma contente aquecida no coração do público, que vai querer cantar junto.

Apesar de muito bem treinados, há sequências em que os cães precisaram ser totalmente animados, pois seria muito perigoso para os bichos. Após a impressionante técnica desenvolvida para os animais em “O Rei Leão”, trazer os personagens à vida aqui não foi problema em questão de realidade, e este filme ainda se beneficia de ter cachorros, o que gera uma simpatia automaticamente maior com boa parte da audiência, facilitando uma conexão com eles que praticamente não existiu no filme de Simba devido a falta de expressões faciais. O charme canino carrega o longa facilmente, já que os humanos são todos unidimensionais, por mais adoráveis que sejam.

“A Dama e o Vagabundo” segue a fórmula das adaptações dos clássicos de animação da Disney em live-action, com a trama base sendo praticamente idêntica ao original e fazendo com que muito do que se goste do filme venha da sensação nostálgica de revisitar uma obra já conhecida, mas para quem nunca viu o desenho de 1955, este longa tem grande potencial de conquistar novos fãs para a empresa e para o casal de cachorros mais adorável da sétima arte.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe