Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A Grande Mentira (2019): verdadeiros atores

Adaptação cinematográfica do livro homônimo se perde no tom e no roteiro desbalanceados, assim como numa direção sem energia. Ainda assim, ganha alguma energia nas atuações imponentes de Ian McKellen e Helen Mirren.

Dois idosos se conhecem num site para encontros românticos. Ao se encontrarem, revelam que mentiram sobre seus nomes. Isso acaba quebrando o gelo entre o casal e dá início a um relacionamento de intimidade de tal nível que a recém-viúva não hesita em hospedá-lo em sua casa. Quando o espectador se dá conta, já está presenciando “A Grande Mentira“.

Não demora a ser revelado que Roy (Ian McKellen, de “A Pura Verdade”) é um golpista que está armando para cima da ingênua Betty (Helen Mirren, de “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw”) para tirar sua fortuna de quase três milhões de libras. Durante a narrativa, é revelada o modo pelo qual trabalha quando outro golpe é mostrado até seu fim. Uma solução um pouco didática demais do roteiro, no entanto entregue com energia pelo diretor Bill Condon (“A Bela e a Fera”). É uma pena, portanto, que ele não estivesse em sua melhor forma pelo resto do filme.

O longa mostra inconsistência quanto a seu tom, com mudanças nada orgânicas representadas através de súbitos acontecimentos tão díspares que fica difícil não levantar uma sobrancelha com as indagações advindas de tal desequilíbrio. Por vezes, o filme parece não saber que gênero quer ser. É uma lástima ver um diretor talentoso como Condon sem o brilhantismo que já mostrou em obras como “Deuses e Monstros”.

Há subcamadas em ambos os protagonistas bem exploradas pelos atores, porém não pelo texto. Roy não está nesta vida apenas pelo dinheiro, mas também pela adrenalina. Conforme ele vai se envolvendo com Betty e sua delicada condição de saúde é revelada, se vê numa batalha interna com sentimentos inesperados. Tudo isso é sentido pela atuação de McKellen, que transita entre seu verdadeiro eu e a fachada que cria para suas artimanhas com uma leveza que impressiona; porém, não é transmitido com eficiência pelo script, que por vezes parece tentar ser abstrato e acaba saindo simplesmente oco. Mirren, por sua vez, entrega uma mescla sublime de graça e charme, pincelada com momentos de misteriosa assertividade que inunda a tela e cativa olhares.

Essa adaptação do livro homônimo de Nicholas Searle tem sua dose de pequenas surpresas e reviravoltas durante a trama, mas nem tocas colam. Nesses momentos, são as atuações que seguram a experiência do público. Outro problema com esses artifícios é que o clímax vai ficando cada vez mais calculável e, quando ele vem, mesmo com atuações soberbas e revelações de peso, a frustração toma conta por conta de uma cena excessivamente expositiva com longos flashbacks. Além disso, alguns outros elementos causam a mesma sensação por não terem sido inseridos ao longo da projeção, convidando, assim, a audiência a especular junto com a trama. Sem contar que é difícil ignorar certas decisões tomadas por um dos protagonistas, que parecem tolas demais para uma mente tão afiada.

“A Grande Mentira” rende uma boa ida ao cinema porque a dupla de atores principais carrega a experiência nas costas, tornando um longa descompassado em uma sessão de entretenimento competente. McKellen e Mirren trazem energia e vigor para a tela, elevando a sessão para um patamar ao qual seu roteiro simplesmente não faz jus.

Bruno Passos
@passosnerds

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