Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Midway – Batalha em Alto Mar (2019): desperdícios e explosões

Filme diverte com sua grandiosa pirotecnia, mas é afundado por um roteiro fraco, que o torna raso e esquecível, e pelo desperdício de grandes atores.

Há muito se popularizaram as incontáveis produções sobre a Segunda Guerra Mundial. Repletas de violentas disputas e de perigosas rivalidades internacionais, tais obras costumam escolher entre analisar o envolvimento de importantes figuras com esse período sombrio (caso do recente “O Destino de uma Nação”) e realizar experiências sensoriais, inserindo o espectador na crueldade dos campos de combate (conforme o inesquecível “Dunkirk”). Divididos entre a exaltação de imponentes soldados e a complexidade por trás dos eventos históricos, não são poucos os filmes estadunidenses que acabam se provando um produto superficial, sendo “Midway – Batalha em Alto Mar” o mais novo integrante dessa longa lista.

Dirigido pelo explosivo Roland Emmerich, amante de filmes catástrofes como “2012” e destruidor da Casa Branca no clássico “Independence Day”, o longa trabalha os desdobramentos da notória investida japonesa contra a base naval norte-americana de Pearl Harbor, que definiu a entrada dos Estados Unidos no sangrento conflito. Optando por um recorte das impactantes lutas sobre o Oceano Pacífico, a trama investe na eclosão da famosa batalha da ilha Midway como consequência do decisivo episódio, intercalando as evoluções de seus protagonistas com envolventes cenas de ação. Ao preencher a tela com personalidades verídicas, o diretor desenvolve uma evidente ode àqueles que arriscaram suas vidas em um dos momentos mais obscuros de toda a humanidade, entregando ainda algumas cartas na manga que tentam transcender o patriotista lugar-comum.

Sustentado por impressionantes efeitos visuais, Emmerich é habilidoso na construção de sequências repletas de tensão, que compõe com o vibrante azul da fotografia de Robby Baumgartner um belíssimo mosaico de fogos e disparos. Ele ainda apresenta convincentes aviões de combate e colossais navios da Marinha norte-americana, sendo capaz de mostrar a eficiência na recriação da antiga tecnologia da época e de utilizar esses elementos para transmitir a grandiosidade das intensas ofensivas aéreas e navais. Igualmente interessante é a maneira como o diretor equilibra os dois lados de uma delicada moeda, conseguindo ir além de dispensáveis maniqueísmos na divisão entre os representantes de Tio Sam e os combatentes do Japão. Em relação a tal aspecto, merece também destaque o comandante Isoroku Yamamoto, interpretado por Etsushi Toyokawa, personagem fundamental tratado com bastante sensibilidade e retratado como alguém que, inserido em um grande conflito pelas infelizes circunstâncias do contexto, está disposto a se sacrificar pelos jovens de sua nação.

Além dessas qualidades, todavia, o filme não apresenta outros grandes acertos, encontrando no fraco roteiro de Wes Tooke seus principais erros. Incapaz de administrar o avanço de tantas personagens, o roteirista fornece um polimento extremamente desigual às figuras centrais, priorizando algumas delas enquanto reduz as demais a esteriótipos. É o caso, por exemplo, do decepcionante general Chester W. Nimitz de Woody Harrelson, (“Zumbilândia- Atire Duas Vezes“), reduzido ao papel do influente agente que se mostra aberto às baixas patentes; e com o esquecível aviador Wade McClusky de Luke Evans (“Ma“), desprovido de personalidade por um texto que o limita ao soldado certinho que descobre a necessidade de quebrar regras em ocasiões de vida ou morte. Como se não bastasse o desperdício de um ótimo elenco (fenômeno que reserva um pífio espaço às mulheres conforme a minúscula participação da talentosa Mandy Moore), Tooke ainda proporciona diálogos risíveis e uma desastrosa simplificação de um momento histórico extremamente complicado, produzindo um desenrolar carregado de facilitações e artifícios baratos ( como a simples interceptação de expositivas mensagens das linhas inimigas).

Por outro lado, em meio a essas decepções, vale destacar o desempenho de Patrick Wilson (“Campo do Medo“), felizmente encarregado do melhor arco de toda a produção. Carismático, ele traduz muito bem o conflito interno de seu personagem, dividido entre o peso de ser um dos únicos a par da verdadeira calamidade da situação, em razão de trabalhar como membro da Inteligência, e a frustração de não ser levado a sério. É uma grande pena, no entanto, o maior tempo em cena seja reservado a Dick Best, interpretado justamente por Ed Skrein (“Alita: Anjo de Batalha“) de maneira fria e desprovida de maiores esforços.

Alicerçado por conquistas técnicas e visuais, “Midway – Batalha em Alto Mar” possui momentos enervantes que podem levar os fãs do gênero à ponta da cadeira, mesmo que os impactos se dissipem pouco após a sessão. Embora divertida, a produção tem em seu roteiro raso uma passagem para o esquecimento, fazendo o mal aproveitamento de grandes estrelas deixar um amargo gosto de oportunidade perdida.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

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