Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Ela Luta Sumô (2018): batalhas por igualdade

Documentário ilustra a batalha de Hiyori Kon para reconhecer o lugar das mulheres em competições de sumô e mudar tradições infundadas e preconceituosas. Com bom equilíbrio entre tensão e ponderação, a obra conquista e gera simpatia ao ser um espelho de lutas similares ao redor do mundo.

Ela Luta Sumô” é um documentário em curta-metragem (19 minutos) sobre Hiyori Kon, uma jovem japonesa de 20 anos que adora lutar sumô, mas que se depara com várias barreiras no estágio de sua vida como atleta. Ainda sem ter atingido sua total força e se deparando com uma aposentadoria forçada no ano seguinte, precisa logo de conquistas importantes para colocar seu nome na história do esporte. O problema é que não é permitido às mulheres competir profissionalmente.

O desporto milenar é carregado de tradições seguidas a risco, muitas delas ultrapassadas e sem fundamento. No caso de mulheres, não é permitido que participem de competições após os vinte e um anos de idade porque há uma crença de que elas atingem sua capacidade física total aos vinte. Em contrapartida, homens podem competir até perto dos quarenta anos.

O documentário traz sutis elementos visuais para ilustrar a hipocrisia da sociedade japonesa perante garotas que querem praticar o esporte: são inseridos vídeos de disputas escolares, nos quais as crianças recebem incentivo para treinar e participar de torneios de sumô, gerando motivação e amor pela atividade em muitas delas enquanto crescem; mas também, situações em que vivenciam barreiras preconceituosas, como a proibição de haver uma liga feminina oficial e a obrigação de parar ao entrar na vida adulta. Por que incentivar a prática escolar então? A injustiça e crueldade são transmitidas com êxito ao espectador.

Com uma boa mescla de vídeos e fotos antigos, de entrevistas selecionadas com êxito e tomadas da rotina da protagonista, o diretor Matt Kay (“Over the Wall“) ilustra a determinação e a decepção sentida por Hiyori: domina o esporte, tem esperança por mudanças e embarca para o campeonato mundial em Taiwan, onde o “torneio” em questão é tratado como “apresentações” ao invés de uma real competição. A jovem espera que seu desempenho ajude a chamar atenção para o sumô feminino no Japão e que a situação mude, caso contrário, não terá permissão para concorrer novamente. Ao ver várias competidoras de outros países, outra mágoa é percebida sem que haja necessidade de palavras: será que essas atletas passam por tantas dificuldades para treinar? Há algumas ali claramente com mais de vinte e um anos, então porque essa tradição descabida ainda se mantém no Japão? O documentarista busca os olhos da protagonista e eles dizem muito.

O cineasta fecha a história do campeonato mundial com uma tomada muito bem mesclada e sonorizada de Hiyori entrando no ringue sozinha, estando o lugar totalmente vazio. Trata-se do ápice da narrativa que consegue dar a tensão e a tristeza que permeia toda a obra. A sensação de que o tempo dela está acabando e não há solução à vista é palpável, intercalada com momentos de ponderação e exposição histórica. É um baita feito para uma produção tão breve.

Quando os créditos sobem, fica claro que o documentário não é só sobre Hyiori, mas sobre as injustiças pelas quais mulheres passam ao redor do mundo diariamente. Ao ilustrar as descabidas regras sem fundamentos sólidos impostas por tradições retrógradas, seguindo crenças de tempos antigos quando a humanidade era menos evoluída, escancara-se como não adaptar regulamentos e visões referentes à capacidade do sexo feminino é algo de mentes atrasadas e preguiçosas. “Ela Luta Sumô” é uma bela obra acerca da igualdade de oportunidades, utilizando a luta de sua protagonista como um espelho para tantas outras pelo planeta.

Bruno Passos
@passosnerds

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