Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Ao Cair da Noite (2017): terror do desconhecido

Com roteiro e atuações destacados e ótimo uso de aspectos técnicos, filme constrói um suspense muito competente. Porém, ainda pode ser frustrante para algumas audiências por conta de certos elementos subjetivos.

O medo do desconhecido é provavelmente um dos maiores temores da humanidade. Não é por acaso que diversos filmes de terror e mistério ocultam fatos ou explicações para eventos que ocorrem na narrativa, trazendo insinuações que podem atiçar o pior da nossa imaginação. Utilizando-se desse artifício com maestria, “Ao Cair da Noite” constrói um suspense claustrofóbico e intenso, escolhendo deixar o espectador no escuro em diversas passagens para elevar as sensações cinematográficas proporcionadas.

Após um apocalipse viral envolto em enigmas, Paul (Joel Edgerton), sua esposa Sarah (Carmen Ejogo) e filho Travis (Kelvin Harrison Jr.) vivem numa casa isolada no meio de uma floresta. Possuem regras claramente definidas, impostas pelo pai, para garantir a segurança de todos. Quando outra família os encontra enquanto procuram por refúgio, toda a ordem que eles antes conheciam começa, aos poucos, a se dissipar.

O aspecto em que o filme mais prospera é na construção do suspense. A abertura, primorosamente construída, já consegue intrigar o público, deixando-o interessado em saber outras informações sobre o que teria levado aquelas pessoas até aquela situação e a tomar aquelas decisões. Paul e Travis são precisamente concebidos, o que facilita a tarefa de entender seus raciocínios e criar um vínculo com ambos, já que os acontecimentos são acompanhados por seus pontos de vista.

Dúvida e paranoia são fatores que perduram durante toda a história e servem de base completa para o roteiro. O diretor Trey Edward Shults (“Krisha“) – também roteirista da obra – já afirmou que decidiu deixar perguntas em aberto, pois gostaria que a mesma experiência dos personagens principais fosse sentida por quem os assiste: saber apenas o mesmo que eles. Essa declaração ajuda a colocar muito da produção em perspectiva, afinal quem gosta de ter todas as questões respondidas e bem amarradas no final pode se decepcionar. Apesar da maioria das indagações instigantes não se resolver de modo óbvio e oferecer material interessante para se teorizar, outras poderiam ser usadas para criar uma trama mais coerente em algumas ocasiões.

O marketing ao redor do filme na época de seu lançamento acabou causando bastante decepção nos fãs de terror exatamente por isso: com um trailer assustador, mas que distorce bastante do que é, de fato, apresentado no enredo, diversas pessoas esperavam algo mais parecido com o estilo presente em “Invocação do Mal” e “Sobrenatural”, por exemplo. Na verdade, sua construção se encaixa dentro de uma atmosfera misteriosa, que toma seu tempo para desenvolver personagens e situações, não estando tão interessado em assustar com técnicas comuns do gênero: o único jump scare serve somente para se conectar a uma cena já consideravelmente assustadora.

Um aspecto do roteiro que destoa da originalidade existente é o uso de diversos pesadelos para demonstrar o que está se passando na mente de Travis. Esse recurso é bem utilizado até certo ponto, exceto quando começa a se tornar repetitivo e a desacelerar o ritmo da história, criando a “necessidade” de trazer novas sequências aterrorizantes. A proporção da tela diminui nesses instantes, uma indicação de que aquilo não está realmente acontecendo, porém ainda assim é um fator que parece desconexo em comparação com o que o conjunto da obra quis apresentar.

As atuações são todas acima da média, principalmente as de Joel Edgerton e Riley Keough (interpretando Kim, mãe da família que se junta à de Paul). Em relação aos demais, a única decepção é Sarah, esposa de Paul, que não recebe metade do tratamento meticuloso dado aos outros, sendo apresentada como alguém inerte e que não parece contribuir muito para a história.

A trilha sonora de Brian McOmber merece grande destaque: Mesclando diferentes instrumentos e estilos de sons (violinos, tambores, barulhos de floresta e de respiração, sinos, entre outros), ela é construída com maestria, casando cada música perfeitamente com os momentos em que são inseridas na narrativa. A cinematografia de Drew Daniels, junto com a direção de Shults, apresenta um trabalho de câmera fluido e ótimo uso dos closes, tudo feito transmitir a mesma claustrofobia e desespero que os personagens. Uma cena específica, na qual Paul confronta pela primeira vez Will (Christopher Abbott), o pai da outra família que chega pedindo refúgio, utiliza todos esses elementos com uma fluidez de se admirar. Até as cenas mais “calmas” são carregadas de tensão por conta da excelência de todos os aspectos técnicos empregados.

Com um clímax que faz jus a tudo que foi construído durante a narrativa, “Ao Cair da Noite” se torna indispensável para fãs do gênero de terror e suspense que também apreciam um bom drama familiar com sua dose de mistério. Entrando na experiência que o filme proporciona com as expectativas corretas, ele se prova como uma ótima surpresa.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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