Filme do diretor cearense Glauber Filho é uma divertida comédia baseada em temáticas espíritas.
Na última década, a temática espírita tem ganhado cada vez mais espaço nas produções cinematográficas nacionais. Em 2008, Glauber Filho lançava seu longa-metragem de estreia e um dos primeiros filmes a não só se encaixar nessa tendência, mas como um dos primeiros a ser considerado genuinamente cearense, “Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito”. Onze anos depois, o diretor e roteirista retorna com essa temática em seu filme “Bate Coração”, aproveitando-se de questões como vida após a morte e reencarnação para falar sobre assuntos como machismo, LGBTQfobia e doação de órgãos.
O longa, ambientado em Fortaleza, tem Isadora (Aramis Trindade), uma transexual dona de um salão de beleza, e Sandro (André Bankoff), um jovem rico, machista e homofóbico que trabalha em uma agência de publicidade. Durante uma festa de ano novo, Sandro sofre um ataque cardíaco e é preciso que ele passe por uma operação de transplante urgente. Assim, ele recebe o coração de Isadora, que morreu em atropelada no mesmo momento em que ele sofia o ataque cardíaco. Com seu espírito ainda preso no mundo material, Isadora passa a seguir o publicitário, influenciando suas escolhas e sua visão de mundo, tendo como objetivo transformá-lo em uma pessoa melhor.
Baseado nas peças teatrais “Acredite, um espírito baixou em mim” e “O coração safado”, ambas do dramaturgo Ronaldo Ciambroni, “Bate Coração” traz consigo um teor cômico que foge dos padrões de filmes espíritas, que tendem a ser biográficos ou baseados em obras psicografadas, e a escolha de seguir pelo caminho do humor parece ter sido certeira. Mesmo que, em alguns momentos, esse humor seja previsível e não se encaixe totalmente em determinadas cenas – especialmente quando elas têm como foco principal diálogos entre Sandro e seu melhor amigo, Igor (Paulo Verlings) – é interessante observar como Glauber Filho, em seu roteiro, subverte a noção normalizada da comicidade, em que, quase sempre, a piada está em personagens marginalizados, em sua orientação sexual, ou cor, ou sexo, ou gênero. Aqui, ao contrário disso, a piada está nos preconceitos de Sandro e na forma (absurda) como ele enxerga a vida, e não no fato de Isadora ser uma mulher transexual.
Aliás, Isadora talvez seja o ponto alto do filme. A construção e caracterização da protagonista, com claras referências à Laerte, consegue apresentar uma personagem não caricata, com quem o público consegue facilmente se identificar e simpatizar. Essa simpatia por Isadora, além de acontecer por causa de sua caracterização, acontece pois Aramis Trindade foi capaz de vivificá-la muito bem. Sua serenidade e carisma ao entregar seus diálogos, a forma confortável e libertadora em que ele se porta nas roupas de Isadora, a maquiagem simples e a elegância de sua postura fazem com que ela transmita uma pacificidade cativante, possuindo uma aura encantadora ao seu redor. Porém, se Aramis atrai para o filme, André Berkoff parece não entender totalmente o personagem que está interpretando, tentando compensar isso com trejeitos exagerados que não conseguem convencer quem está assistindo. Por isso, mesmo sendo capaz de provocar o riso em determinados momentos, esse exagero e falta de profundidade de Sandro acaba fazendo com que mesmo quando ele passa por sua transformação de caráter e supera seus preconceitos, continue sendo difícil benquerer o personagem.
A performance de Berkoff é ainda mais prejudicada quando o filme passa a abordar a questão da doação de órgãos. Por ter sido produzido pela Estação Luz Filmes, produtora de filmes espíritas, a obra precisava abordar algum tema de importância social, e Glauber Filho, junto com a equipe de produção, decide seguir pelo caminho da doação de órgãos. Por mais que o tema seja realmente relevante e raramente tratado, especialmente no cinema nacional, a abordagem utilizada para lidar com o assunto não é acertada, ao apresentar, no meio do longa, um vídeo que convoca o público para a doação de órgãos, e o resultado disso é que a narrativa, no lugar de gerar comoção, ganha um cunho panfletário notável. Mas, mesmo assim, “Bate Coração” é um filme que diverte, e, ao mesmo tempo, atinge seu objetivo de tratar de assuntos atuais e extremamente relevantes.