Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 29 de outubro de 2019

A Lavanderia (Netflix, 2019): Estados Unidos da Hipocrisia

Com excelentes atuações de Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas, o diretor Steven Soderbergh utiliza o Panama Papers para exaltar a dissimulação americana.

Após um bom início na Netflix com “High Flying Bird”, o diretor Steven Soderbergh reuniu um elenco de peso para contar a trama de “A Lavanderia”: Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas formam o tripé que sustenta a narrativa. A própria plataforma de streaming trata a obra como comédia, no entanto o cineasta bebeu muito da fonte do drama biográfico para montar sua história baseada no livro de não ficção “Secrecy World”, de Jake Bernstein.

O filme conta uma versão ficcional do escândalo do Panama Papers, partindo do olhar dos advogados Jürgen Mossack (interpretado por Oldman) e Ramón Fonseca (Banderas). Em 2016, foram divulgados mais de 11 milhões de documentos, datados entre os anos 1970 e 2016, da base de dados do escritório de advocacia da dupla Mossack Fonseca. Os materiais contavam com mais de 200 mil empresas offshore, ou seja, de fachada, que mantém os ativos protegidos do fisco. A entidade não precisa de funcionários, apenas precisa existir no papel. O vazamento incluiu donos milionários, criminosos e até celebridades que escondiam suas ações em paraísos fiscais, como o próprio Panamá.

O roteiro de Scott Z. Burns parte da situação de Ellen (Streep). Ela levou um golpe de uma seguradora após o acidente de barco que causou a morte de Joe (James Cromwell), seu marido. Em meio às investigações sobre a corporação, a mulher se depara com a história dos dois advogados que estão escondendo dinheiro para milionários na América Central.

Com uma trama separada por episódios, são explorados diferentes contos sobre como as empresas fantasmas causaram diferentes soluções e problemas na vida de diversas pessoas. Narrado pelo ponto de vista de Jürgen e Ramón, o diretor utiliza os dois atores como guias para traduzir os complicados termos de economia avançada. Quebrando a quarta parede e até utilizando animações para explicar tudo, Soderbergh perde tempo ao esquecer uma história promissora como a de Ellen para criar argumentos para seu terceiro ato documental.

Com tantas histórias intercaladas, utilizando o dinheiro e a corrupção como uma fonte de ligação, fica difícil entender qual é proposta central do roteiro de Burns. É fácil perder o interesse em meio a tantas voltas dadas para explicar os mínimos detalhes das questões. Em um certo momento, Meryl Streep deixa de lado Ellen para interpretar outra personagem, uma secretária que sobe de cargo e fica responsável pela criação de companhias no sistema criminal. Um milhão de vezes menos o interessante do que a primeira personagem.

A atriz está sensacional como sempre. Com pouco tempo de tela, cria uma personagem que equilibra senso de justiça e uma certa melancolia por saber que será só mais uma pessoa engolida pelo sistema. Gary Oldman mantém um sotaque alemão enquanto aproveita uma oportunidade para seu tradicional grito. Já Antonio Banderas acompanha seu parceiro de maneira bem mais reservada.

“A Lavanderia” é uma oportunidade que o cineasta encontrou para discutir a necessidade do dinheiro na nossa sociedade. O diretor ironiza o conceito da tira de papel, que combinada a um contexto geral, simplesmente passou a ter esse nome. Mais tarde, serviu de origem a mais pedaços de papel até chegar ao crédito, moeda invisível conjugada no futuro. No final das contas, o rato acaba caçando o gato – em matéria de crime fiscal, a corrupta Mossack Fonseca é apenas uma iniciante perante a grandiosa e cega hipocrisia americana.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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