Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de outubro de 2019

Fratura (Netflix, 2019): loucura ou sanidade

Suspense de Brad Anderson utiliza a paranoia para confundir o seu protagonista e o espectador.

Fratura” tem uma premissa simples, mas uma execução complexa: em apenas uma linha do tempo, duas perspectivas da mesma narrativa são apresentadas de forma sutil. A produção original da Netflix, dirigida por Brad Anderson, conta a história de Ray Monroe (Sam Worthington), sua esposa Joanne (Lily Rabe) e sua filha Peri (Lucy Capri). Após uma parada em um posto durante  uma longa viagem de carro, o homem é surpreendido com um acidente envolvendo a menina. Ao descer do veículo, a criança se assusta com um cachorro raivoso e cai em um terreno de obras. Percebendo que a garota quebrou o braço, o casal resolve levá-la para o hospital mais próximo.

Ao chegar ao local, Ray cai na realidade de muitos hospitais públicos: a burocracia como prioridade em relação à saúde dos pacientes. Após um atendimento de triagem, Joanne entra em um elevador e acompanha Peri em uma tomografia na cabeça enquanto o pai aguarda na recepção e adormece. Quando acorda, ele estranha a demora e percebe que sua filha e esposa sumiram. A partir daí, acusa o hospital de esconder a sua família. As autoridades hospitalares, por sua vez, se defendem alegando que ele entrou sozinho ali. Começa, assim, um jogo de pontos de vista e convencimentos sobre a mesma história.

O suspense segue uma proposta de reviravoltas: ora o espectador acredita na versão que a clínica está, de fato, ocultando a família Monroe, ora começa a desconfiar da loucura do homem. Ele acredita que os funcionários públicos formam uma rede de sequestradores que vendem órgãos para o mercado negro.

Logo no início, Brad Anderson enfatiza que existem duas verdades sendo contadas ao mesmo tempo. Com a câmera focada no rosto do protagonista, o áudio da cena fica abafado, a trilha cria um senso de emergência e as bordas do quadro ficam sem foco. Quando ele acorda de um suposto devaneio, todos esses elementos voltam ao normal. Depois da cena do acidente, o diretor decide esconder o que é ilusão do que é realidade. Assim, a dúvida de quem está correto permanece até o final do filme.

Os closes nos rostos dos personagens, como se o cineasta tentasse dar a chance de desvendar a verdade nos olhos de cada um, acabam ampliando a sensação de estranhamento já causada por outros aspectos. Essa percepção, por exemplo, também aparece na conjunção entre tais enquadramentos, as cores frias da fotografia e uma trilha sonora tensa. Com todos esses recursos, o suspense segue ativo durante toda a trama.

Quase o tempo todo em tela, Worthington mantém uma interpretação segura mesmo nos momentos mais dramáticos, principalmente no terceiro ato, que tem um plot twist atrás do outro. Em grande parte da trama, seu personagem insiste em convencer as pessoas pelos corredores do hospital do que realmente teria acontecido. Entretanto, o roteiro de Alan McElroy entrega dicas em excesso daquela situação em meio aos diálogos.

A intenção é, simultaneamente, confundir e ajudar, convidando o espectador a criar teorias para tentar desvendar o mistério em conjunto com o protagonista. Porém, tal escolha pode tirar a graça daqueles que captarem o mistério nos primeiros minutos. Com base na paranoia, alucinação, teoria da conspiração e até trazendo um pouco de crítica social, “Fratura” propõe um bom jogo de perspectivas como entretenimento.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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