Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (2019): passado e futuro

Após algumas sérias derrapadas no universo do Exterminador do Futuro, o novo filme se encontra alcançando a plena diversão de uma história direto das origens.

Volte no tempo e desconsidere “O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas“, “A Salvação” e “Gênesis“. É o pedido feito por “Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” ao se colocar na linha cronológica da franquia logo após “O Julgamento Final“. Assim como nos dois primeiros filmes, a experiência proporcionada é uma diversão de grande qualidade que integra a ação à ficção científica. Além disso, a nova produção acentua as relações entre passado e futuro para a própria narrativa e para o universo iniciado em 1984.

Após vinte e sete anos dos acontecimentos de “O Julgamento Final“, a normalidade alcançada ao derrotar a Skynet  está ameaçada por um novo perigo: o atualizado e moderno Exterminador líquido Rev-9 (Gabriel Luna) é enviado do futuro por outra tecnologia artificial para exterminar Dani Ramos (Natalia Reyes). Também vinda de outro período distante, a híbrida de ciborgue com humana Grace (Mackenzie Davis) tem a missão de proteger Dani e assegurar a única esperança para a humanidade. Com o objetivo de tornar a tarefa um sucesso, Sarah Connor (Linda Hamilton) vai ao encontro das duas, assim como o Exterminador T-800 (Arnold Schwarzenegger), em uma arriscada luta a contra a devastação do mundo.

A articulação entre tempos diferentes começa a ser percebida nas mudanças narrativas criadas pela nova obra em comparação às anteriores: a nova tecnologia que ganha consciência e se volta contra a humanidade tinha, originalmente, funções militares até sair do controle (algo compatível aos tempos atuais); e a entrada de uma nova protagonista, moradora da Cidade do México, que evolui no sentido de ampliar a força que já possuía para não se restringir apenas à mulher a ser protegida – além de logo demonstrar sua impetuosidade em ajudar o irmão e sua sensibilidade diante da família, ela atravessa o arco de aceitação de uma condição de líder da resistência. Entretanto, nem todas as inovações funcionam, já que a menção à introdução de máquinas no lugar dos trabalhadores não vai a lugar algum e a reviravolta envolvendo Dani não surpreende nem tem sua ocultação justificada.

Ao mesmo tempo, o novo cenário também é retratado pela adição de Grace e de Rev-9. Esses personagens evocam as mudanças da realidade trazida pelos vinte e sete anos posteriores ao segundo filme: ela se autointitula “aprimorada”, pois mantém seu organismo biológico natural enquanto teve artefatos tecnológicos inseridos em seu corpo, e revela a dualidade entre uma fisicalidade criada artificialmente e emoções genuinamente humanas (Mackenzie Davis concilia a entrega física das sequências de ação de grande energia e os momentos de extravasamento emocional); e ele exala a artificialidade de uma máquina tentando se comportar como um humano (Gabriel Luna retém continuamente um semblante fechado e uma postura corporal mecânica), bem como transmite sua ameaça através da substância sintética capaz de criar armas e de fazê-lo se desdobrar em mais de um ser simultaneamente.

Da mesma forma que o futuro da narrativa tem seu espaço, os elementos tradicionais do universo “Exterminador do Futuro” também são trabalhados. Engana-se, porém, quem acredita que o passado da franquia já visto anteriormente assume os mesmos sentidos conhecidos pelos espectadores. O vilão da vez não é mais a Skynet – que, tem o arco envolvendo essa inteligência artificial, Sarah e John Connor finalizado de modo inesperado nos primeiros minutos. Sarah Connor se tornou ainda mais bad ass graças ao seu treinamento militar e aos rumos de sua vida, guardando dores profundas que a fazem ser mais pragmática e dura do que sentimental, mas ainda assim, possui uma trajetória dramática caracterizada pela busca de um propósito para sua existência. T-800 encontrou outra dimensão para sua realidade que não se resuma somente a cumprir friamente uma missão, levando a uma transformação fascinante que o permite ter humor e estimular outros a encontrarem suas próprias essências. Ademais, traços marcantes, como a frase “I’ll back” e os óculos escuros, recebem a carga irônica de uma releitura.

Sob o mesmo ponto de vista da relação entre passado e futuro, estão as sequências de ação concebidas por Tim Miller. Inicialmente, o diretor pesa a mão nas tentativas de dar energia a cada cena, o que faz a câmera se movimentar exageradamente nos momentos de diálogo e os cortes serem excessivos na montagem das lutas e perseguições. Apesar disso, o estilo gradualmente se estabiliza, privilegiando o entendimento das sequências, com a alternância entre planos fechados e abertos, uma forte energia nos confrontos corporais, nas caçadas e nos embates com armas, e oferece set pieces destacados para ficarem na memória. Contribui para isso o uso eficiente dos efeitos visuais, especialmente aqueles que fazem Rev-9 se moldar ao ambiente, diluir-se em substâncias sintéticas e apresentar sua constituição robótica original, e os outros que indicam linhas tecnológicas no corpo de Grace e o ponto de vista de uma máquina sob seu olhar.

Considerando-se também a composição visual da obra como um todo, os contrastes cronológicos da trama saltam aos olhos. Passado e futuro se entrelaçam de maneira diversa, criando cores e iluminações muito particulares que revelam como otimismo e entusiasmo podem desembocar rapidamente em pessimismo e destruição, e vice-versa: no tempo narrativo principal predominam as cores vibrantes e uma fotografia solar, enquanto a projeção do que está por vir está sob ruínas com cores frias e uma fotografia melancólica. Com efeito, a constituição estética de “Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” retoma o que os demais roteiros da franquia já haviam abordado com relação à capacidade de construir seu próprio futuro ou estar subordinado a um destino já traçado. O que, por fim, também aparece em uma narrativa divertida, cheia de energia, baseada em personagens cativantes e sintonizada com o melhor já feito naquele universo.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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