Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Fanático (2019): fã vs ídolo

Encontro entre fã lunático e superastro de filmes ação promovido por Fred Durst é mais um tiro n’água na carreira de John Travolta.

Se perguntarem como vai a carreira de John Travolta, apenas responda “Vai muito mal, obrigado!”. O ator, que despontou em musicais como “Nos Embalos de Sábado a Noite” e “Grease: Nos tempos da Brilhantina”, sempre ostentando a figura do galã do topete bem armado, queixo furado e flexibilidade nos quadris, de uns tempos para cá vem colecionando filmes para esquecer no fundo da gaveta. O mais triste é que, embora tenha em seu portfólio algumas atuações ruins, na maioria das vezes roteiros risíveis e narrativas insossas costumam remar contra suas boas e esforçadas interpretações. Serve de exemplo aqui “Fanático”, projeto no qual o ator, mesmo despindo-se de qualquer vaidade para dar vida a uma pessoa atrasada mentalmente, antissocial e carente de qualquer atributo físico, emperra num desenvolvimento inexpressivo a partir de um argumento fraco e aguado.

Moose (John Travolta) é um aficionado por filmes de ação que tem como ídolo o astro Hunter Dunbar (Devon Sawa). Após ter um encontro frustrado com o seu herói em uma sessão de autógrafos, Moose – com uma ajudinha de sua única amiga Leah (Ana Golja) -, inicia uma perseguição que foge do controle e promete mudar a vida de fã e ídolo para sempre. Escrito e dirigido por Fred Durst, mais conhecido por sua função de vocalista na banda norte-americana de rock Limp Bizkit, o filme abre com um plano longo da cidade de Los Angeles, enquanto a narração em off de Leah, bff do protagonista, instiga a audiência sobre o que está por vir. Comumente usada como recurso narrativo para estabelecer intimidade com o interlocutor, o discurso em off aqui mostra-se uma ferramenta expositiva e dispensável, sem uma função correta justificável.

Se a voz da fotógrafa de celebridades entra no filme duas ou três vezes é demais – e é alarmante notar o uso tão precário de um artifício como esse apenas para atender caprichos narrativos -, e quando deveria agregar com uma manifestação oral de quem testemunhou uma história surpreendente, esbarra na ausência de conteúdo significativo o bastante para carregar a atenção do público adiante com informações exclusivas. Além da falta de relevância apresentada por meio do voice over, outro ponto negativo que salta os olhos é a montagem de Nik Voytas e Malcolm Crowe, que ao querer ir além do convencional, opta por sobrepor animações explícitas às sequências de inquietude, provocando irregularidades no desenvolvimento e resultando numa frustrante quebra de tensão. Com tantos fatores jogando contra é de se reconhecer ao menos a energia do protagonista.

Outrora galã de Hollywood, John Travolta dá vida a homem de meia idade, que ostenta um corte de cabelo esquisito, um caminhar desconfiado, trejeitos que afloram conforme aumenta a ansiedade e uma vestimenta bem longe do convencional. Somam-se a esses aspectos a mentalidade atrasada que dificulta o convívio social, restando apenas a companhia de uma amiga, um subemprego nas ruas da cidade e uma porção de aproveitadores que se divertem às custas dele. Moose é um personagem envolto por clichês, no entanto, encarnado com admirável complexidade por Travolta, que não se importa em se travestir de uma figura tão incomum física e psicologicamente. Ainda que seja um filme de baixo orçamento para alguém que já foi indicado duas vezes ao Oscar, o ator investe energia e é recompensado – ao final – como uma das poucas coisas que salvam a produção.

Fred Durst, que não é exatamente um estreante em longa-metragens (já dirigiu “The Education of Charlie Banks” e “The Longshots”), realiza aqui um trabalho bem questionável. Embora não demonstre nenhuma intimidade com a câmera em grande parte do filme, em sequências nas quais existe a necessidade de evocar tensão consegue capturar bons planos, a maioria deles sustentados pela caracterização bizarra de um excêntrico John Travolta. Inspirado em fatos reais, segundo o próprio Durst, “Fanático” apresenta uma premissa interessante, porém carente de uma narrativa criativa, incerta sobre o tom que deve adotar – começa como um thriller que logo depois escorrega para um terror meio trash -, e dependente de uma performance segura e aplicada de sua única estrela, que na tentativa de dar a volta por cima começando do zero, chega enfim no fundo do poço.

Renato Caliman
@renato_caliman

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