Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 06 de novembro de 2019

55 Passos (2017): oportunidade perdida

Filme aborda o tratamento de pacientes em hospitais psiquiátricos e uma amizade improvável entre uma dessas pacientes e sua advogada, dentro de uma trama vazia que não se desenvolve.

Um tema recorrente em produções cinematográficas é o tratamento recebido por pacientes com transtornos mentais em hospitais psiquiátricos. Em “Um Estranho no Ninho”, por exemplo, Randle McMurphy e os outros pacientes do manicômio são constantemente humilhados, abusados e obrigados a passar por procedimentos degradantes que serviam apenas como uma forma de anulá-los e de torná-los submissos. A justificativa para esse atos seria fazê-los voltarem ao “normal”, serem curados. Assim como no filme, esse tratamento foi aplicado por décadas na vida real, sendo incontável o número de pessoas que sofreram com os maus-tratos. Uma delas se chamava Eleanor Riese, paciente da unidade psiquiátrica do hospital St. Mary’s, onde, por anos, recebeu medicamentos contra sua vontade que só pioraram sua condição. É essa história contada pelo diretor Bille August em seu longa-metragem “55 Passos”.

No filme (e na vida real), Eleanor Riese (Helena Bonham Carter) é uma mulher com transtornos psiquiátricos. Depois de anos sendo medicada contra sua vontade no hospital em que estava sendo tratada, decide entrar com uma ação judicial para que possa fazer parte das decisões médicas de seu tratamento. Assim, ela entra em contato com a advogada e ex-enfermeira Colette Hughes (Hilary Swank), que, junto ao professor e advogado Mort Cohen (Jeffrey Tambor), decide ajudar Eleanor. A partir disso, o longa tem como focos principais o processo judicial em prol da emancipação de Eleanor e sua relação com Colette, com quem cria um forte laço.

A relação entre as duas é o que faz Colette repensar sua vida e refletir sobre o rumo em que está seguindo. Porém, se na narrativa Eleanor consegue comover Colette de uma forma tão profunda, o mesmo não acontece com os espectadores. Desde a primeira cena até os últimos minutos, Helena Bonham Carter interpreta Eleanor repleta de trejeitos, entregando uma personagem de pouca profundidade e beirando a caricatura e a esquisitice. No fim, a impressão que fica é de estar assistindo um dos (vários) filmes de Tim Burton que a atriz protagonizou. Se Carter é o exagero, Hilary Swank é o mediano. Mesmo tendo uma boa química com sua parceira de tela e com alguns momentos interessantes, a intérprete de Colette se mantém com a mesma gestualidade do início ao fim, não conseguindo perpassar toda a emoção que sua personagem merecia.

Apesar da falta de profundidade nas atuações das duas protagonistas, as atrizes ainda conseguem expressar seu carisma em cima de um roteiro que simplesmente não se desenvolve. As tramas e subtramas do longa parecem ser apenas jogadas ali sem motivo algum, sendo tudo explorado apenas na superfície. Se “Um Estranho no Ninho” consegue adentrar as profundezas de seu tema principal e causa um turbilhão de emoções, “55 Passos” se mantém mediano do início ao fim. Cena após cena, a sensação é de o filme pretende nos deixar com mais raiva, tristeza, angústia, ou esperança do que ele deixa, mas no fim, o que sobra não é nada mais que um simples vazio de sentimentos. A única ponta de empatia que existe vem da história de Eleanor em si, e não de como ela está sendo apresentada. Assim, a produção perde a oportunidade de abordar um assunto de extrema importância e necessidade, que mesmo sendo retratado tantas vezes no cinema, ainda continua sem ser realmente reconhecido e considerado pela sociedade, assim como a história de Eleanor se mantém conhecida por poucos.

Ana B. Barros
@rapadura

Compartilhe