Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 08 de outubro de 2019

Evelyn (Netflix, 2019): caminhada introspectiva

Documentário acompanha emocionante história de uma família que faz uma longa caminhada para entender os motivos do suicídio do irmão.

A dor é um sentimento difícil de ser descrito para quem não passou por momentos trágicos ou de amargura na vida. Ficamos tristes ao ver um pai chorar a perda de um filho, mas não sentimos a mesma coisa da pessoa diretamente afetada. Focando em um caso particular, em uma narrativa intimista, o documentário “Evelyn” distribuído pela Netflix tenta entender a dor de uma família após uma trágica morte. A busca por respostas, além do papel de cada um nos fatos responsáveis pela perda do jovem, nos traz algo diferente, triste e ao mesmo tempo bonito, que não se furta em mostrar seus protagonistas nos momentos de maior vulnerabilidade.

Dirigido e idealizado pelo cineasta Orlando von Einsiedel (diretor de “Capacetes Brancos”, vencedor do Oscar de melhor documentário em 2017), irmão mais velho de Evelyn e personagem de maior destaque, que, com os irmãos Robin e Gwennie, organiza uma caminhada de cinco semanas com familiares e amigos em parques da Inglaterra e Escócia onde Evelyn passou boa parte da vida. No começo não sabemos os motivos da sua morte, pois a narrativa se encarrega de explicar essa questão conforme os passos dos caminhantes seguem pelas trilhas do Reino Unido. Entremeando imagens dos passeios por lindas paisagens, em grandes parques nacionais, com vídeos e imagens de arquivos, passamos a entender como de uma criança alegre Evelyn se tornou um adolescente depressivo e logo depois esquizofrênico. Transformado em outra pessoa, irreconhecível por familiares, o garoto tirou a própria vida aos 17 anos.

Quatro são as caminhadas realizas pelos irmãos, tendo as três primeiras contando com a participação de personagens marcantes na vida do irmão não presente. Na primeira conhecemos Beta, matriarca da família e quem mais sofreu com a morte do seu filho. Na segunda conhecemos o pai, Andreas, que separado de Beta, vive em outro local. Na terceira caminhada somos apresentados aos dois dos melhores amigos de Evelyn, Leon e Jack, igualmente ainda sofrendo com a lembrança do suicídio do amigo, principalmente o primeiro, responsável por algumas das mais emocionantes cenas do documentário.

“Evelyn”, apesar de ter o nome do jovem que se suicidou ainda adolescente, conta a história dos Einsiedel tentando se recompor do ocorrido. A busca de respostas é o mais interessante de se assistir. Neste emocionante cenário, onde qualquer conversa, ou até mesmo palavra, geram lágrimas, e a figura de Orlando se torna a mais curiosa nessa narrativa. Posto como personagem principal e apesar de ser um grande documentarista, portanto um ótimo retratista e observador de outras vidas, ele não consegue se expressar sobre seus sentimentos a respeito da morte do irmão. O momento quando Leon tenta arrancar do diretor esse sentimento contido, o conseguindo parcialmente, é um dos pontos altos da produção.

Aliado com uma fotografia diferente e até curiosa, a obra acompanha os caminhantes de frente, com várias perspectivas sendo exploradas, principalmente por meio do foco – criando planos entre aqueles à frente e os que ficam para trás durante a caminhada. Além disso, cenas essenciais para a narrativa são mostradas sem foco – às vezes com a ideia de apresentar algo mais amador, não tão bem planejado, mas conseguindo vender a ideia de espontaneidade – tornando o documentário mais próximo do espectador.

Explorando os sentimentos de todos sobre o acontecido, seus pensamentos, o sentimento de culpa e a saudade, “Evelyn” apresenta pessoas em processo de superação além de uma terapia familiar, em que todos apontam seus erros e tentam manter os laços de união. Em certo ponto, vem de Andreas um dos momentos mais marcantes da história, em que o pai questiona o quão desconfortável é falar de assuntos tão difíceis. Logo à frente, vemos Orlando conseguindo compartilhar sua dor ao se abrir para desconhecidos encontrados ao longo das andanças, narrando a tragédia da sua família e a ideia de fazer um documentário sobre isso.

“Evelyn” não é fácil de assistir. Lançada no mês do setembro amarelo aproveitando sua campanha de conscientização para os riscos do suicídio, a produção emociona e traz diversas reflexões para quem a assiste. Além de uma bela homenagem, a introspectiva narrativa mostra a união de amigos e parentes, principalmente para os irmãos, celebrando a memória de quem não está mais entre eles. Sua vida serve de alerta para outras famílias que podem estar com o mesmo problema e não se dão conta disso. Cabe sempre a reflexão.

Filipe Scotti
@filipescotti

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