Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Quem Você Pensa Que Sou (2019): salvação nem sempre é redenção

Os motivos que levam uma mulher a se passar por outra mais jovem e as consequências do seus atos podem resumir a trama deste filme francês, mas não refletem a profundidade que Juliette Binoche constrói para sua complexa personagem.

Juliette Binoche é a estrela deste drama francês “Quem Você Pensa Que Sou”. Note que o título da obra de Safy Nebbou não é uma pergunta direta, mas um desafio. Ela é adaptada do livro homônimo de Camille Laurens e trata de um momento específico na vida de Claire, personagem de Juliette. Aos 50 anos, a professora com filhos adolescentes e divorciada se relaciona com um homem bem mais novo que ela e frequenta o consultório de um psicólogo. Na verdade, uma psicóloga, pois a Dra. Catherine (Nicole Garcia) acaba de tomar o lugar do antigo doutor. É uma mudança inoportuna para Claire, que precisa recriar confiança com a nova profissional num momento especialmente difícil.

Após se dar conta que o relacionamento com Ludo (Guillaume Gouix) não tomará o rumo esperado, Claire mergulha num mundo de depressão refletido na fotografia cinza e azulada do filme. Ao não entregar respostas claras sobre a vida dela, “Quem Você Pensa Que Sou” se desenvolve como uma mescla de estudo de personagem e drama de maturidade. Afinal, os conflitos internos de Claire são resultado de momentos de virada em sua vida, mas cujos detalhes descobrimos ao longo da trama. No entanto, a obra ainda guarda sua questão principal: na tentativa de se reaproximar de Ludo, a protagonista cria um perfil falso no Facebook e acaba se envolvendo com o amigo dele, Alex (François Civil).

Todo o talento da premiada atriz se faz necessário para demonstrar a complexidade de sentimentos em torno das decisões de Claire. Suas conversas com a psicóloga são um método não tão sutil do roteiro para entregar aos poucos as motivações da personagem. Porém, as nuances da interpretação de Juliette são suficientes para desenhar as explicações que necessitamos para entender as emoções de Claire, além de construir um certo mistério e tensão sobre as possíveis consequências de suas decisões.

O mergulho na vida de uma mulher que lida com o envelhecimento é o fator que constrói o drama de maturidade. Este é um gênero comum no cinema, que costuma lidar mais com a passagem da vida adolescente para a fase adulta, mas também apresenta ótimas narrativas sobre outras etapas da natureza humana, como no caso de Claire. No entanto, são lados específicos da personagem, como a importância que ela dá à juventude e à necessidade de se sentir desejada, que a levam a fazer escolhas bastante questionáveis moralmente. Começando por se fazer passar por uma mulher de vinte e poucos anos pela internet, as atitudes da protagonista inevitavelmente instigam o espectador para tentar compreendê-la (ou até julgá-la pelas consequências).

“Quem Você Pensa Que Sou” ganha ares de thriller justamente pelo resultado das escolhas de Claire, tanto para sua própria vida quanto para a de Alex. É neste ponto que também guarda algumas surpresas e viradas. O roteiro lida com a cronologia dos fatos intercalando as conversas com a psicóloga com eventos da vida de Claire. Em certo momento, a trama ainda brinca com a realidade e com a perspectiva da protagonista. São distintas técnicas narrativas que arriscam a identidade do longa, mas conseguem enriquecê-la sem se distanciar do quebra-cabeça que é o estudo da personagem. Vale reforçar que, apesar da força que a história exerce para carregar o filme ao longo da exibição, é na ótima integração entre direção e atuação que a obra encontra maior valor.

À medida que a psicóloga se envolve com a trajetória de Claire, “Quem Você Pensa Que Sou” define seu desfecho. O longa é um convite tanto a moralistas quanto aos empáticos para tentar compreender as escolhas da protagonista. Traduzir questões internas de uma personagem em conflito consigo mesma não é uma tarefa fácil para o cinema, mas a obra faz um ótimo trabalho mantendo o interesse e a intriga. É resultado tanto do talento e experiência de Juliette Binoche quanto da sensibilidade de Safy Nebbou.

William Sousa
@williamsousa

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