Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 10 de setembro de 2019

Divaldo – O Mensageiro da Paz (2019): mensagem boa, filme ruim

Apesar de boa execução técnica na direção de arte, fotografia e captação do som, a obra apresenta problemas estruturais sérios de roteiro, direção de atores e até mesmo de trilha, que gera um impulso quase que involuntário de revirar os olhos de tanta frustração.

Seguindo uma onda de filmes espirituais, como o “Nosso Lar”, “Kardec”, “A Menina Índigo” e “As Mães de Chico Xavier”, “Divaldo – O Mensageiro da Paz” apresenta uma biografia sobre um dos maiores médiuns brasileiros vivos, como diz o próprio diretor Clovis Mello. 

A história é bem dividida em três partes: a infância, a juventude e a consolidação da vida adulta. Há também nos últimos minutos uma palhinha dele aos 92 anos. O dom de Divaldo, ainda criança,  desperta a curiosidade e olhares dos moradores de sua cidade do interior baiano, Feira de Santana. Dentro de sua própria família católica há uma reprovação, principalmente vinda do pai, mas vendo o sofrimento do filho sua mãe começa a buscar respostas. Aqui, como no resto do longa, a ambientação tanto de região quanto de época é muito bem desenvolvida pela cenografia e figurino.

Durante o roteiro, já no início nota-se diálogos repetitivos e de maneirismos linguísticos difíceis, por vezes com um português arcaico, que dificulta a compreensão do público. Na mudança para a juventude há bons momentos de alívios cômicos, como quando Divaldo vai ao confessionário com o padre. Nesta cena ele lembra o Chicó de “O Auto da Compadecida”. Com sua ida para Salvador, ele entra numa fase de busca de autoconhecimento e uma jornada dentro da doutrina. No curso de sua caminhada há o histórico encontro com Chico Xavier, que é uma cena rápida, mas com um diálogo leve, bem desenvolvido, que merece destaque como um momento de rara naturalidade dramática. Várias respostas são deixadas em abertas, como a morte da irmã, quem é o espírito-amigo que o guia e a relação de outras vidas de um espírito “malvado” com ele. Todas as respostas dadas já do meio para o final decepcionam imensamente.

As interpretações falham, salvo algumas exceções. Marcos Veras, que faz o tal espírito “malvado”, parece ter saído de uma apresentação de teatro de tragédia grega de tão caricato. A versão de Ghilherme Lobo como Divaldo é tão fraquinha, que nos faz questionar se não é por isso que foi substituído por Bruno García, que também não impressiona, para a fase adulta, já que poderia ter sido facilmente mantido e usado maquiagem, que esta obra provou ter domínio da técnica ao envelhecer a mãe, interpretada com alguma dignidade por Laila Garin. Também, essa troca de ator da juventude para a fase adulta quebrou a veracidade, pois os dois atores não conseguiram manter uma única identidade do personagem. A trilha sonora extremamente repetitiva, tenta compensar essa falta de emoção em várias cenas, com um piano e violino tristes e dramáticos.

Apesar de tudo, um belo momento é quando um dos personagens pergunta se Divaldo “batia o tambor” (referência pejorativa às religiões de matrizes africanas) e a resposta dele é “não, mas se eu batesse e daí?”. Esse momento resume o “teor” espírita do filme, mais expositivo do que de imposição de “verdades”. E a mensagem principal é muito mais de amor ao próximo do que religiosa. O espiritismo aqui é mais um meio que um fim e essa é a beleza que carrega.

No fim, o protagonista consegue apesar de muitos tropeços e sermões de seus guias, espirituais e terrenos, consolidar seu destino para que veio à Terra nessa vida, mas isso já é sabido. Antes da subida dos créditos há um pouco de panfletagem sobre as ações reais e trabalhos que Divaldo Franco executa, mas que até faz sentido e pode ser perdoada.

É sempre triste ver uma produção brasileira que não dá certo, mas infelizmente esse foi o caso. É um filme que pode agradar o nicho dos espíritas por ser mais uma representatividade, porém cinematograficamente ele falha principalmente em roteiro, direção e atuação. Nos deixa de espírito enfurecido pelo desperdício de tempo, mas talvez quem sabe ele fique bom em uma próxima vida.

Maduda Freitas
@MadudaFreitas

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