Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Elite (Netflix, 2ª Temporada): a opção pelo mistério [SÉRIE]

A segunda temporada de "Elite" se confirma muito mais como uma série de mistério, deixando para trás os dramas da juventude e criando novos conflitos para os alunos de Las Encinas.

Elite” foi lançada em 2018 pela Netflix e logo se tornou uma série com alguma repercussão junto ao público jovem adulto. Dramas significativos para a geração atual, temas sociais importantes para a contemporaneidade, doses constantes de sensualidade entre os personagens e um mistério de assassinato percorrendo os episódios foram elementos essenciais para a audiência. Se a primeira temporada integrou drama e suspense, apresentando falhas em ambos, a segunda, lançada em 2019, prioriza o mistério evocado pelas reverberações do crime cometido anteriormente e por novas ameaças de vida ou morte. Ainda que tenha algumas perdas, esse novo ano possui um pequeno crescimento de qualidade.

Iniciando-se como um desdobramento natural dos eventos passados, a segunda temporada se concentra nas reações dos personagens à morte de Marina e à prisão de Nano: Guzmán precisa lidar com sua perda e com a mudança de casa; Polo, Carla e Christian guardam para si o segredo da verdadeira explicação para o assassinato, enquanto estes últimos estão namorando; Samuel tenta provar a inocência do irmão Nano, duvidando da versão oficial da polícia; e Lucrécia, Ander, Omar e Nadia ainda estão enfrentando seus dilemas familiares e suas dificuldades amorosas. Assim como novos personagens chegam à produção, Valerio, Rebeca e Cayetana, um novo mistério coloca todos em risco quando um jovem desaparece inesperadamente.

Dessa vez, as questões sociais ficam, em geral, em segundo plano. As discussões sobre sexualidade, intolerância sexual ou religiosa, divergências entre gerações e diferenças econômicas não são mais a base da narrativa, apesar de serem temas complexos que ainda não foram esgotados e poderiam continuar sendo desenvolvidos. Poucos aspectos dessa natureza são preservados pelo roteiro, como as barreiras para o relacionamento de Omar e Ander – um arco que logo é transformado em razão da trama central de mistério e perde seu eixo básico – e o erotismo das interações entre os personagens – nem sempre narrativamente justificadas, como o que ocorre entre Polo e Ander. Deixando tais traços dramatúrgicos um uma posição periférica, a narrativa abraça definitivamente o suspense, se concentrando nas consequências da morte de Marina e nos novos conflitos que emergem. Por um lado então, é uma perda não trabalhar mais os temas sociais.

Do ponto de vista estrutural, a investigação policial se encontra mais bem articulada aos episódios e conduzida como algo mais realista. Da mesma forma como já havia sido feito, flashforwards são utilizados para mostrar o desaparecimento de um dos alunos de Las Encinas em diálogo constante com a linha cronológica transcorrida dentro do colégio antes do fato. A credibilidade da investigação aumenta porque os depoimentos não são inseridos aleatoriamente, cabendo a eles levantar possíveis suspeitos, intensificar as desconfianças em torno de comportamentos estranhos dos jovens e indicar os desentendimentos e as ameaças crescentes que cercam a vítima do desaparecimento. Além disso, outras ações pertinentes são feitas pelos policiais, como a condução de buscas na floresta onde o estudante foi visto pela última vez e a averiguação de pistas importantes para o caso. A progressão dos episódios cumpre o propósito de ampliar o número de suspeitos através do arco do personagem e da montagem em paralelo reveladora da tensão contínua.

Muitos arcos dramáticos dos personagens também são moldados pelo suspense baseado no assassinato de Marina. Polo sente os distúrbios emocionais por esconder seu crime (esse conflito custa a engatar em função de subtramas passageiras que não levam a nada); Guzmán sente o sofrimento pela partida violenta da irmã, reage radicalmente contra Samuel, atribuindo-o responsabilidade pelo assassinato e adota um estilo de vida exagerado de bebidas e drogas; Christian se questiona quanto ao aproveitamento do modo de vida luxuoso próximo de Carla ou revelar a verdade do que aconteceu (um arco encerrado muito precocemente); Carla insiste em manipular sexualmente Christian, Polo e Samuel para conseguir ocultar sua cumplicidade no assassinato; e Samuel se recusa a aceitar a prisão do irmão e se dispõe a fazer o necessário para provar a inocência dele (sua mudança de personalidade nunca é devidamente consolidada pelo roteiro e pela inexpressividade do ator).

Entretanto, a opção narrativa da obra custa também prejuízos aos arcos de outros personagens. Alguns ficam restritos a um lugar dramatúrgico inerte ou pouco evoluído: a relação entre Omar e Ander fica estagnada por conta da influência do assassinato neste último, que o leva a direções diferentes; os contratempos entre Nadia e Guzmán repetem o que já havia sido mostrado na primeira temporada ou apresentam poucas transformações para a jovem na maior parte do tempo; e Lucrécia é novamente colocada no triângulo amoroso com o casal anterior sem novas camadas ou conflitos, além de precisar conviver com o meio irmão Valerio. As inclusões no elenco são outro ponto negativo, justificando muito pouco as entradas de Valerio, Rebeca e Cayetana. Isso porque eles não possuem um arco completo que os leve a transformações: o primeiro é apenas um bon vivant apegado a festas e a excessos sem responsabilidade, que tem uma queda por Lucrécia; Rebeca é uma ricaça humilde que influencia mudanças no comportamento de Samuel e Nadia; e Cayetana posa de milionária escondendo sua verdadeira identidade (ela é a única que tem uma trajetória mais rica, apesar de trabalhada insuficientemente).

Com os novos episódios, os diretores Ramón Salazar e Dani de la Orden conseguem tornar o caráter novelesco de “Elite” mais moderado e utilizam recursos mais expressivos para construir os planos e a progressão da trama. Enquadramentos que destacam Omar e Ander em meio a uma multidão em uma festa, a montagem em paralelo dos dois últimos episódios que reforçam a tensão do suspense e os acertos na criação do mistério (ainda que haja falhas em sua conclusão) fazem a segunda temporada ligeiramente melhor do que a antecessora. Perde os dramas sociais, mas ganha uma narrativa misteriosa mais bem acabada.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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