Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O Ano de 1985 (2018): poesia em preto e branco

Poético, longa baseado em premiado curta resgata o visual oitentista de tempos cruéis, mas simplórios e recheados de intimidade.

“O Ano de 1985” foi importantíssimo para o cinema, tanto na cultura pop, com obras muito aclamadas como “De Volta Para o Futuro” e “Os Goonies”, como no geral. É um período divisor de águas em outras áreas além do audiovisual e uma delas é a saúde, já que um surto de Aids atingiu boa parte do mundo. Obras como “Paris is Burning” e a série “Pose” relatam tal época de uma maneira mais ampla, ao contrário desta produção que deseja ir por um caminho mais intimista, mas não menos emocionante.

Adrian (Cory Michael Smith) é um jovem que retorna à sua cidade natal no Texas depois de anos morando em Nova York. O que aparentemente seria uma viagem para passar os feriados de fim de ano com a família, acaba se tornando uma viagem de autodescoberta, aceitação e amor pelos pais religiosos e conservadores, o irmão mais novo que está se descobrindo e uma antiga amiga.

Servindo como expansão do curta homônimo de sucesso do mesmo diretor, Yen Tan, o filme utiliza da fotografia em preto e branco para falar sobre um mundo particular sem esperança, pelo menos na cabeça de Adrian. Ele encara tudo como uma despedida, desde um simples gesto como um presente mais caro, até o fato de não ter interesse em fazer novos amigos. Com movimentos lentos, Yan transita sua câmera pelos cômodos da casa e além, exalando uma sensibilidade ímpar numa história curta e simples, cercada pela ignorância da época (algo como um beijo na boca em alguém com HIV é encarado como nocivo por exemplo). Com um campo de visão por vezes bem abaixo dos olhos de seus personagens, o cineasta cria a sensação de segredo, algo que persegue o protagonista e é externalizado nos inúmeros planos fechados em seu rosto.

Quando vai para Nova York, a visão se amplia e mostra um recurso básico, mas eficiente narrativamente falando. Adrian precisa lidar com a sensação de não pertencimento no início, mas tem o auxílio do irmão Andrew (Aidan Langford) e da mãe Elieen (Virginia Madsen), e uma certa desconfiança do pai, Dale (Michael Chiklis). A aversão à figura paterna e masculina superior é um clichê utilizado em inúmeros filmes sobre o tema, mas aqui é tratado sem romantismo ou exagero. Atuações quase teatrais, ajudadas pela continuidade e demora nos cortes, fazem Adrian se sentir em outro mundo quando sai de casa. As bem iluminadas cenas no stand-up e na boate mostram perfeitamente como ele é um rapaz divertido sem a influência e o drama que o perseguem.

Melancólico, “O Ano de 1985” também é sobre privação de desejos, já que mesmo com a saudade da família, Adrian sente que não se encaixa mais naquele mundo. Tenso na medida certa, o conforto vem do acalento da amiga Carly (Jamie Chung), mesmo com uma decepção anterior causada pelo sentimento de abandono. Traumas do passado ajudam a enriquecer uma narrativa que por vezes se torna mundana, lenta, mas extremamente poética, de um jovem que tem que mentir para ganhar um último abraço e ser quem é.

Tiago Soares
@rapadura

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