Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Com Quem Será? (2018): amor dos pessimistas

Sem amarras, comédia romântica com Keanu Reeves e Winona Ryder usa a tristeza como ponte para novos relacionamentos.

Todo mundo já passou por uma situação em algum local que você para e pensa “o que eu estou fazendo aqui?” Frank (Keanu Reeves) e Lindsay (Winona Ryder) representam exatamente este pensamento em “Com Quem Será?”, dirigido e escrito por Victor Levin (“Encontro Marcado”). A dupla de protagonistas já havia trabalhado junto em “Drácula de Bram Stoker” e em “O Homem Duplo”. A trama se passa durante um casamento em que nenhum dos dois gostaria de estar presente.  Eles se conhecem no aeroporto e viajam juntos rumo a El Paso de Robles, cidade da Califórnia. Além do mesmo voo, ficam em quartos vizinhos e na mesma mesa na cerimônia. Foram convidados apenas por educação: Lindsay foi noiva de Keith e Frank é seu meio-irmão.

Logo no início do longa-metragem, Levin toma uma decisão importante: apenas os dois protagonistas têm diálogos em toda a obra. A proposta transforma cada conversa praticamente em uma sessão de terapia. Com um humor cínico e sem amarras, Reeves e Ryder têm toda a liberdade do mundo pra trabalhar, resultando em uma atuação natural e plausível de um casal desconhecido. Quem nunca ficou comentando às escondidas sobre convidados esquisitos em um casamento? Quem nunca criticou alguma pessoa pelas costas?

Os diálogos são muito rápidos, quase sem pausa para respirar. Sempre passando novas informações, mesmo distantes, Lindsay fala sozinha e Frank fala com a televisão. A atenção nunca sai do casal principal – enquanto uma pessoa da dupla se afasta, a câmera apresenta o outro em silêncio e vice-versa. Com os protagonistas sempre em tela, suas personalidades logo se tornam um livro aberto, aprofundando o passado e as perdas que cada um enfrentou.

O diretor apresenta o clima da cidade por meio de grandes planos abertos, mostrando cada etapa do casamento com um tom leve e uma trilha de jazz. Fugindo do clichê de personagens que se odeiam e se amam no final, Levin resolve cada problema e cada situação no ponto forte do seu filme: o diálogo. Ambos personagens encontram dificuldade em se entregar a alguma coisa positiva após um relacionamento traumático. Lindsay e Frank demonstram uma busca por felicidade escondida por uma grande sombra pessimista sobre a vida e os sentimentos. Acham que não merecem ser felizes, mas acabam aceitando a amargura um do outro em prol da companhia.

“Com Quem Será?” é um laboratório que mostra que tudo depende do ponto de vista. Um pé na bunda significa sofrimento? Ou que uma pessoa está te ajudando a passar mais tempo com alguém que realmente goste de você? Estar infeliz com alguém é exatamente a mesma coisa que estar infeliz sozinho? Apesar de todo o período de recuperação após um trauma, não é preciso se forçar a ser feliz. Transformar algo triste em algo agridoce já é um primeiro passo.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

Compartilhe