Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Fenda no Tempo (1995): problemas no voo

Última chamada para o voo 29 da American Pride com destino à Boston. Porém, a adaptação do conto de Stephen King não poderia deixar de fazer uma parada em Maine para contar uma história envolvente, mas com muitos problemas.

Senhoras e senhores, bem-vindos ao voo número 29 da American Pride, partindo do aeroporto de Los Angeles, mas que nunca chegará ao seu destino. Apertem os cintos e tente dormir, pois esta aeronave atravessará uma “Fenda no Tempo” e, assim que acordarem, todos os outros passageiros e toda a tripulação terão desaparecido misteriosamente.

A minissérie de dois episódios (ou a versão em filme de três horas) adapta o conto de Stephen King “Os Langoliers”, da coletânea “Depois da Meia Noite”, e conta com a direção de Tom Holland (“Brinquedo Assassino”) para guiar o espectador nesse mistério sci-fi. Na trama, dez passageiros se deparam com o avião vazio, entre eles, Dinah Bellman (Kate Maberly), uma menina deficiente visual que tem habilidades mentais; Brian Engle (David Morse, “À Espera de um Milagre”), um piloto de avião da mesma companhia aérea que estava voando como passageiro; Nick Hopewell (Mark Lindsay Chapman, “Titanic”), um inglês misterioso que logo assume a posição de liderança; e Craig Toomey (Bronson Pinchot, da série “O Mundo Sombrio de Sabrina”), um escandaloso investidor bancário. O filme também conta com uma participação especial do próprio Stephen King.

A história é ridiculamente fiel ao livro, com passagens praticamente copiadas e coladas ao roteiro, o que pode ser um problema, pois a série não traz inovação. Certos diálogos e maneirismos dos personagens são levados ao pé da letra, causando estranheza quando interpretados em tela. Além disso, o diretor não conseguiu capturar momentos de ouro do livro, como a cena que Dinah percebe o avião vazio. No conto há uma imersão no ponto de vista da menina, que por não enxergar também deixa o leitor no escuro, compreendendo a cena através dos outros sentidos. Porém, a adaptação escolhe sem demora mostrar os objetos que Dinah toca em cada poltrona, tirando a tensão e mistério do momento. Uma escolha mais interessante seria explorar mais o plano detalhe, limitando a percepção do espectador.

As atuações são sofríveis, beirando o cômico. Kate Maberly é robótica ao dar as falas e marcações, comprometendo o carisma de sua personagem. A atriz também não convence como deficiente visual, pois em certos momentos deixa a visão nitidamente comandar sua linguagem corporal ao reagir às falas de outros atores. Além disso, é sua personagem que percebe uma mudança na aparência do céu e não há nenhuma explicação no roteiro para isso. No entanto, nada se compara à performance de George Hawthorne, que de tão caricata poderia ser confundido com algum personagem do desenho “Pica-pau”. Aliado a isso, Holland insiste em grande angulares, acentuando sua atuação cartunesca. Já Mark Linday Chapman e Dean Stockwell (que faz o papel de Bob Jenkis, um escritor de mistérios), esbanjam canastrice em suas interpretações clichês.

Outro problema lamentável é que Don Gaffney (Frankie Faison, “As Branquelas”), o único personagem negro, é completamente descartável, refletindo um problema recorrente dos filmes de horror e suspense. É difícil sentir empatia pelos personagens, pois a adaptação não consegue nos envolver em suas tramas particulares devido à minissérie se preocupar mais em contar todos os detalhes do conflito principal presentes no original de mais de 200 páginas.

O problema mais notável dessa adaptação, sem dúvidas é a computação gráfica. A minissérie falha em explorar outras escolhas para resolver o problema orçamentário, resultando em efeitos visuais muito ruins, mesmo para a época. Com isso, ficamos com cenas inacreditavelmente toscas, principalmente as que envolvem a ameaça principal no último terço do filme. Todas as tosqueiras são compensadas pela história que é muito interessante e singular, diferente de outras premissas de viagem no tempo nas quais estamos acostumados a ver em grandes mídias do entretenimento. É a vontade de entender o que está acontecendo e como se sairão os personagem diante dos conflitos apresentados que faz o espectador ficar grudado na tela até o final, mesmo com o CGI ruim e um festival de overacting.

Vale a pena encarar essas três horas de voo caso seja capaz de relevar todos os problemas estéticos dessa minissérie. Porém, pela característica mais forte da adaptação ser a história, que é exatamente igual ao conto original, é mais válido embarcar nas páginas escritas pelo Rei do Terror que no terrível avião de CGI. Do contrário, prepare-se para uma aterrissagem problemática e um clima muito estranho com a vista da aurora boreal na sua janela. A American Pride agradece sua preferência.

Tayana Teister
@tayteister

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