Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Verdade ou Desafio (2018): um jogo de erros

Terror tenta ser inventivo ao trazer uma crítica atual e usar o popular jogo ao seu favor, mas sem sucesso.

Os filmes de terror protagonizados por jovens na flor da idade, vivendo intensamente e com poucas ou quase nenhuma responsabilidade, reforça o clichê de algo já visto muitas vezes. É uma fórmula que geralmente dá certo, muito por conta de ideias criativas e situações aparentemente comuns. “Verdade ou Desafio” se aproveita do famoso jogo conhecido mundialmente para contar a história de Olívia (Lucy Hale, da série “Pretty Little Liars”) e seus cinco amigos que viajam ao México para curtir os últimos dias de férias. O grupo encontra o misterioso Carter (Landon Liboiron, da série “Frontier”), que despretensiosamente os faz entrar na brincadeira, não sabendo que posteriormente precisarão lidar com um demônio que pede que eles falem a verdade, cumpram o desafio ou morram no processo.

O filme de Jeff Wadlow (“Kick-Ass 2”), escrito pelo próprio com a ajuda de Michael Reiz, Jillian Jacobs e Christopher Roach, atualiza o terror ao utilizar do advento da Geração Z de estar sempre conectada e por vezes é imaginativo em tomadas inspiradíssimas, principalmente nas cenas do México – conceito que infelizmente, logo é abandonado. A identidade dá lugar a mortes tiradas diretamente da franquia “Premonição”, devido ao forte grafismo e presença do gore. Um certo desconforto provindo de uma tensão inicial entre o triângulo amoroso Olívia, Markie (Violett Beane, da série “Flash”) e Lucas (Tyler Posey, da série “Teen Wolf”) tenta introduzir camadas de profundidade a uma trama que vai se tornando mais artificial com o passar do tempo. O drama não funciona, muito por conta das fracas atuações, com exceção de Hale.

Bastante corriqueiro em produções do terror, a inclusão da parte investigativa, seguida de um personagem deus ex-machina que traz a solução milagrosa, faz com que o espectador volte a atenção para a tela devido ao misticismo, a riqueza de detalhes e certo respeito à cultura local (as lendas mexicanas, por exemplo). É uma pena que a escolha visual encontrada para retratar as ações do demônio, feitas exclusivamente para assustar, acabam gerando o efeito contrário, beirando o risível. A suspensão de descrença por vezes precisa estar ligada no máximo para que tamanha inverossimilhança funcione.

Indo pelo caminho das obviedades, o terror poderia muito bem trabalhar o medo psicológico provindo de experiências traumáticas recentes, tornando o melodrama – que toma boa parte da segunda metade do longa – mais aceitável. A veia cômica é outra que não vai bem, incluída em momentos desconfortáveis sem nenhum propósito. Tais decisões equivocadas fazem com que a identificação e empatia pelos personagens, algo importantíssimo no cinema de gênero, sejam praticamente nulas. Não é possível torcer por nenhum deles, visto as atitudes questionáveis que caminham para um clímax corrido e sem desenvolvimento.

Apesar da decisão final ser bastante criativa e inteligente, “Verdade ou Desafio” é raso ao tentar incluir uma crítica à sociedade cada dia mais viciada nos malefícios de uma internet tóxica. A presença de poucos jumpscares contam a favor da obra, em compensação o terror poderia ser melhor nas mãos de alguém mais autoral e corajoso, já que a imediata sensação é a de já ter visto esse filme antes.

Tiago Soares
@rapadura

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