Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de agosto de 2019

Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019): os pesadelos de Del Toro

Saído diretamente da infância de Guillermo del Toro, o terror conquista com seus efeitos práticos dignos de premiação e sequências arrepiantes.

É sempre um enorme prazer ver novos projetos de grandes diretores. Notáveis, tais gênios do cinema conseguem deixar marcas inconfundíveis em suas obras, donos de assinaturas que nunca passam despercebidas diante de legiões de fãs. Mesmo que muitos deles sejam versáteis, é inegável que a maioria desses profissionais tende a encontrar seu nicho, conquistando uma área na sétima arte para chamar de sua. Foi o que aconteceu com Alfred Hitchcock (responsável pelo sublime “Psicose”), eterno “mestre do suspense”, e é o caso do ilustríssimo Guillermo del Toro (do premiado “A Forma da Água”), especialista na transposição de sombrias fantasias para as telonas. Embora neste filme ele esteja restrito à produção, é um deleite observar os traços do cinegrafista mexicano presentes em “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro”, divertido terror voltado ao público juvenil.

O ano é 1968. Uma sinistra voz anuncia no rádio a aguardada noite de Halloween, e em poucos minutos as ruas da pequenina Mill Valley se encontram repletas de jovens fantasiados. Em meio à criançada sedenta por doces, os amigos Stella (Zoe Margaret Colletti, “Skin”), Auggie (Gabriel Rush, “Rainhas do Crime”) e Chuck (Austin Zajur, “Kidding”) se preparam, no melhor estilo “Stranger Things”, para uma noite cheia de travessuras. Do encontro com o novo companheiro Ramón (Michael Garza, “Timeless”) à invasão de uma antiga casa “mal-assombrada”, no entanto, o grupo acaba despertando a maldição da temível Sarah Bellows (voz da atriz Kathleen Pollard, “Conto da Aia”), antiga lenda urbana da cidade cujas histórias aterrorizantes, registradas em um livro obscuro, ganham vida ao serem lidas. Baseado na homônima série literária, não por acaso uma das favoritas de del Toro, é a partir dessa premissa que o filme busca apresentar um novo universo de assombrações e, é claro, assustar o público convocado a conhecê-lo.

Dirigida por André Øvredal (do eficiente “A Autópsia”), a obra demonstra um perfeito domínio das técnicas do gênero (mesmo que não seja tão inquietante). Fazendo um bom uso dos clichês, o diretor é capaz de construir envolventes sequências na antecipação dos clássicos jump scares, de forma que, mesmo esperados, funcionam em sua maioria. Destaque, por exemplo, para a excelente sequência do milharal, cujo ambiente repetitivo e claustrofóbico amplifica a tensão anterior ao inevitável susto. Não são em todos os casos, entretanto, que a direção se rende a esse recurso, por vezes priorizando uma boa construção atmosférica, como na ótima cena ambientada em um hospital psiquiátrico, entre outras.

É na estética das pavorosas criaturas, todavia, que a produção encontra sua principal ferramenta para gerar medo. Seja o tenebroso espantalho do primeiro ato, a bizarra mulher que se aproxima nos corredores ou a arrepiante aberração apresentada próxima ao desfecho, todos os monstros demonstram um incrível uso de efeitos práticos conduzido nos bastidores. Realmente interpretados, os personagens (fielmente extraídos das ilustrações do material original) foram cuidadosamente construídos através de litros de tinta corporal e fantasias extremamente bem feitas, esbanjando um visual bastante realista, capaz de amedrontar até os mais corajosos. Tudo graças à excelente direção artística do longa (também responsável pela ótima recriação de época), na qual são visíveis os fortes toques de Guillermo, hábeis na criação de figuras tão marcantes quanto o emblemático Fauno de “O Labirinto do Fauno” (2006).

Quanto ao elenco, por sua vez, é satisfatório, embora não traga muitos destaques. Seria injusto ignorar, porém, não só a cativante liderança exercida pela carismática Zoe Colletti, como também os impressionantes contorcionismos (literalmente) exercidos por Troy James (“Hellboy“), ator que incorpora um dos inimigos apresentados nos minutos finais.

Por fim, em relação ao roteiro, assinado pelos irmãos Dan e Kevin Hageman (com apoio do próprio del Toro), é competente, aliado à boa montagem, através do prazeroso malabarismo entre os ataques das diferentes aberrações, os quais, sempre bem particulares, tornam o filme bastante dinâmico (algo semelhante, porém melhor resolvido, à abordagem feita em “Annabelle 3: De Volta Para Casa”). Mesmo não acrescentando nada novo ao gênero, vale dizer ainda que ele abre portas para uma nova mitologia carregada de potencial.

Leve, “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro” pode não ser uma obra de tirar o sono, mas sua habilidade em assustar se mostra mais do que suficiente. Envolvente, o terror esbanja carinho pelo cinema “manual”, renegando os efeitos especiais computadorizados, e é um ótimo convite a uma nova geração de amantes do gênero.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

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