Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de agosto de 2019

Rainhas do Crime (2019): elas merecem muito mais

Drama se inclina à comédia, mas não consegue construir uma trama envolvente em qualquer gênero que proponha, desperdiçando assim seu elenco.

Melissa McCarthy (“Poderia Me Perdoar?”), Tiffany Haddish (“Viagem das Garotas”) e Elisabeth Moss (“Nós”) são as três gigantes atrizes que estrelam “Rainhas do Crime”. Um time desse poderia ser escalado para qualquer comédia, mas nesta obra o que predomina é o drama, sendo mais um exemplo da versatilidade delas para atuação. As “rainhas” são esposas de líderes da máfia irlandesa em declínio na Nova York de 1978. Após seus maridos serem presos, elas veem uma oportunidade para tomar a frente dos negócios. Atualizando o ditado: “a necessidade faz a mulher”.

As primeiras notas nesta obra da roteirista e estreante diretora Andrea Berloff incluem a letra da canção “este é um mundo dos homens, mas não seria nada sem uma mulher” de Etta James. Ela resume a mensagem central do filme, que parte de uma premissa intrigante estilo “Breaking Bad” cujo crime é a extorsão dos comerciantes do bairro de Hell’s Kitchen em troca de “proteção”, numa espécie de “milícia” irlandesa. Moralidade à parte, conhecemos Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss) num ambiente de abuso e violência doméstica, logo a empatia pelas personagens nasce de imediato.

Naquele momento da história, os Estados Unidos viviam o início da reação à segunda onda do feminismo dos anos 60 e 70. O preconceito contra mulheres e o domínio masculino era a realidade que as protagonistas se propõem a enfrentar. Visualmente, a recriação de Nova York de 1978 é bastante restrita. A preferência pelos ângulos fechados nas cenas externas e a pobre composição dos efeitos visuais evidenciam somente o básico, sem buscar pomposas reproduções históricas da cidade que estava prestes a sofrer as maiores ondas de violência do seu passado. A verdade é que a luta de Kathy, Ruby e Claire não poderia ser mais atual e “Rainhas do Crime” é uma alegoria para problemas do presente, por mais que a trama se passe 40 anos atrás.

O roteiro de Andrea, que foi uma das escritoras indicadas ao Oscar em 2016 por “Straight Outta Compton: A História do N.W.A.”, não se interessa tanto em contar como as protagonistas saltam de donas de casa para líderes do crime. Assume-se que elas já tinham habilidades e inclinações para a contravenção. Andrea prefere explorar as situações sobre como elas se mantêm num “mundo dos homens”, enfrentando as dificuldades e tentações que a ganância e o poder trazem. É daí que cada personagem segue um rumo distinto e os conflitos lentamente aparecem.

Vale notar que a obra é adaptada dos quadrinhos, uma graphic novel chamada “The Kitchen” (trocadilho com “cozinha” em inglês e o nome do bairro Hell’s Kitchen) lançada em 2014. Porém, os problemas com “Rainhas do Crime” começam com um tom que não se inclina em direção alguma. O cinema já conhece excelentes obras que pegaram o mesmo cenário e transformaram em ótimas comédias, ótimos dramas e ótimos thrillers. Infelizmente, a adaptação de Berloff não atinge nenhuma das três direções. As mesmas sementes de filmes bem-sucedidos como “Trapaça” e “As Viúvas” não florescem aqui e a maior das frustrações é ver uma grande oportunidade desperdiçada para uma ótima comédia de humor ácido. Tal pretensão de ser nasce não só do potencial conhecido das atrizes para comédias, mas pela maneira que a própria diretora retrata a violência no filme, que é bruta e gráfica, porém num drama inclinado a risadas. Neste aspecto, Elisabeth Moss consegue mais espaço para brilhar ao lado do personagem Gabriel, de Domhnall Gleeson (“Ex Machina”), e seu arco é mais interessante e melhor contado que os das outras duas protagonistas.

Com sérios problemas de ritmo, montagem e, consequentemente, narrativa, “Rainhas do Crime” seria intragável se não fosse pelo star power de McCarthy, Haddish e Moss. Há muitas questões em jogo, desde a representação do estrato social de Nova York à moralidade dos grupos de criminosos, mas nem a proposta central de mostrar que “os tempos mudaram” é sutil. As resoluções beiram a vergonha. Pelo menos, o filme serviu para provar que a comediante Tiffany Haddish também é capaz de segurar bem um papel dramático, mesmo que com menos desenvoltura que as duas colegas. As mulheres merecem mais.

 

William Sousa
@williamsousa

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