Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 07 de agosto de 2019

Obsessão Secreta (Netflix, 2019): perdido em clichês

Nem um pouco original, longa da Netflix tem atuações sofríveis e abusa de artifícios corriqueiros para tentar entreter o espectador.

No fim das contas um filme tem a missão de divertir, e não no sentido de ser engraçado, mas sim de fazer valer a pena as horas que foram investidas nele. É quase que uma regra que precisa acontecer para funcionar, não importa o seu gênero. O problema é que existem produções que na pressa de entregar ao público um produto de fácil consumo e apto a viralizar, confundem o entreter com o menosprezar, como é o caso de “Obsessão Secreta”. Junte o título pragmático aos personagens e pronto! Já é possível prever o que vai acontecer. Apesar do ritmo agradável de um bom thriller, este exclusivo da Netflix não se sustenta devido à sua falta de autenticidade, escolhas questionáveis, ideias pobres, atuações risíveis e uma infinidade de clichês que provocam vergonha alheia.

Enquanto recupera-se de um acidente que deixou sequelas em sua memória, Jennifer (Brenda Song, “Zack & Cody: Gêmeos em Ação”) conta com a ajuda do marido Russell (Mike Vogel, “A Guerra dos Sexos”) para retomar o cotidiano e também uma vida da qual ela não se lembra. Utilizando como ponto de partida o recurso in media res – que no cinema representa começar um filme no meio da ação -, a narrativa já recorre a um conhecido clichê de gênero com o intuito de trazer o público para aquela atmosfera de suspense, mas para logo depois o roteiro enfileirar elementos que ao invés de provocarem, demonstram fraquezas e apontam para um desenvolvimento com obstáculos esperados. A mocinha em perigo, perda de memória, casa nas montanhas, marido de caráter duvidoso e o detetive obstinado.

A junção mal aproveitada de todos esses componentes narrativos recebe um peso ainda mais negativo com as atuações sofríveis do elenco. Brenda Song procura saídas para conferir à sua personagem a desconfiança e a apreensão necessárias, porém, além de não ser capaz de segurar um papel teoricamente fácil, esbarra no referencial como atriz de comédia. Ao longo da narrativa é inevitável não rir de suas expressões faciais e corporais, vide o fato de que ela passa o filme todo mancando de maneira abrupta acompanhada por caretas que estávamos acostumados a ver em suas séries cômicas. Como seu marido, o ator Mike Vogel não oferece nada mais do que uma interpretação superficial e estereotipada, podendo dizer o mesmo de Dennis Haysbert (“Superação: O Milagre da Fé”) e sua atuação improdutiva.

O roteiro escrito por Kraig Wenman (“Desejo de Vingança”) e Peter Sullivan (“Sandman: Pesadelo Real”) menospreza a inteligência do espectador e, com seus incontáveis buracos de queijo suíço e por meio de escapadas triviais durante o seu desenvolvimento, consegue apenas provocar questionamentos prejudiciais que deveriam ser evitados. A direção do próprio Sullivan tampouco tem a habilidade de amenizar os erros. Como comandante da produção falta a ele tato para conduzir os atores a melhores performances e, ainda que seja capaz de imprimir certa agilidade à uma narrativa repleta de obstáculos, sua câmera parece perdida em meio aos clichês do argumento falho, por exemplo, quando exagera em planos detalhes sem funções específicas e que na verdade revelam fatos dos quais já se sabe o destino ou a procedência.

O calvário de “Obsessão Secreta” parece não ter fim quando opta por uma trilha sonora genérica e expositiva, composta por Jim Dooley (“Obsessiva”), para levar a narrativa, e quando a mesma tenta ludibriar o espectador é tarde para funcionar. Montado de maneira convencional e intuitiva, ao menos exibindo agilidade, termina sendo mais um passatempo da Netflix de fácil ingestão ao passo que é bem complicado de digerir. Nem mesmo uma atriz que já deixou claro em entrevistas sua afinidade com o gênero consegue evitar o tombo dessa produção esquecível. Sucessão de clichês, atores nada empenhados, roteiro preguiçoso, direção comum e um potencial filme de gênero desperdiçado pela pressa do serviço de streaming em ter um catálogo exclusivo são argumentos suficientes para passar por essa obra cuja única função é afrontar o intelecto de que assiste.

Renato Caliman
@renato_caliman

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