Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Em Busca do Vale Encantado (1988): inteligentemente infantil [CLÁSSICO]

Um time de peso entrega uma animação que dificilmente ficará datada, com técnicas impressionantes para sua época, personagens bem desenvolvidos dentro de suas diferenças e uma mensagem vital e atemporal.

Em Busca do Vale Encantado se passa na era dos dinossauros, numa época em que a comida está escassa e todos estão migrando para o Vale Encantado, um lugar repleto de vegetação e água para todos. O filme se foca no apatassauro Littlefoot, que está na jornada com seus avós e sua mãe que, ao ser perguntada pelo filho se já viu o Vale, diz que não, explicando que “algumas coisas se vê com os olhos, outras com o coração” – a maneira do filme de exemplificar o que é ter fé, tema que permeia a obra.

Outro assunto presente no filme é racismo. No início, Littlefoot encontra uma tricerátops chamada Saura e vai brincar com ela, logo sendo interrompido pelo pai da mesma que diz que as raças não devem se misturar. Ao questionar esse fato para a mãe, o protagonista ouve que “sempre foi assim”. Na mente pura de uma criança, ele não entende o motivo de não poderem se divertir juntos. Após um acontecimento que rivaliza com um momento chave de “O Rei Leão” em peso dramático, várias famílias são separadas, fazendo com que filhotes fiquem sozinhos. Littlefoot conhece outros de raças diferentes, mas, inocentes, ignoram as irrelevantes diferenças raciais e se unem para montar sua própria manada e migrarem juntos. Aí começa a grande jornada do filme, dos pequenos tentando sobreviver até chegar ao Vale, se virando sem os pais.

A animação é excelente. Além das belas pinturas que compõem os fundos do filme, nota-se o estudo realizado em museus na animação dos dinossauros. Há uma boa representação visual do tamanho desses colossais animais, como na cena em que Littlefoot está caminhando atrás da mãe e a chama. Para respondê-lo, ela vira o pescoço até que seu rosto fique perto do filho, e esse processo é demorado, ilustrando sua enormidade.

O longa foi produzido por George Lucas e Steven Spielberg, que só trabalharam juntos como produtores na cinessérie “Indiana Jones”, e por Kathleen Kennedy, produtora de “Star Wars”. A ideia original da dupla de amigos era fazer um filme sem diálogos, onde a história seria contada só por imagens e as emoções passadas por olhares, música e rugidos, mas mudaram de ideia para fazer o filme mais atraente para crianças.

A esse time de peso temos a trilha sonora composta por James Horner (“Titanic”), que traz uma composição etérea, dando a atmosfera de magia pedida aos momentos em que o filme trata de fé, bem balanceada com os momentos de ação, desavenças e união. Esse projeto foi liderado por ninguém menos que Don Bluth, renomado diretor de animação que fez, entre outros, “Titan A.E.”, “Anastasia”, “Todos os Cães Merecem o Céu” e “Fievel – Um Conto Americano”.

Além do protagonista, o grupo de filhotes é formado pela pequena e alegre saurolofa Patassaura, o inseguro e dependente pteranodonte Petrúcio, o silencioso e ingênuo estegossauro Espora e pela própria Saura, orgulhosa e cheia de si. O filme acerta em não ficar dando nomes para as raças, afinal, foram nós humanos que criamos essas denominações. Aqui eles usam alcunhas mais simples e baseadas nas descrições das raças. Temos um “pescoçudo”, uma “tricórnia”, uma “bico-chato”, um “voador”, um “rabo-de-espora”, e tiranossauros são “dentes afiados” (entretanto, na versão dublada o nome desta espécie se manteve, o que ficou sem sentido). Essa ideia dos nomes virem a partir de descrições também é usada para elementos da natureza em si, como “montanhas de fogo” para vulcões.

O roteiro do filme tem poucas falhas, como a resolução apressada para o antagonista, mas, francamente, não atrapalham em nada. O espectador, principalmente o infantil, facilmente se sentirá emocionado e tomado pela magia do longa. Sem contar que ainda tem temas bastante atuais e qualidades que não o tornam datado.

O tema do preconceito racial é tratado com o grupo principal, que tem que aprender a conviver e trabalhar juntos para conseguir comida e superar obstáculos. Saura é a que mais tem dificuldades com isso. Tendo ouvido da família que as raças não se misturam, quer fazer tudo sozinha, o que acaba se revelando um mecanismo de defesa para esconder sua insegurança e imaturidade perante o mundo. Uma fachada para esconder seus medos. Aqui temos um bom ponto do roteiro, que retrata as distintas personalidades nas ações e trejeitos dos personagens. Outro acerto é dar tempo para que as diferenças sejam mostradas e superadas, colocando a manada em situações adversas e frustrantes que levam a brigas com consequências sentidas e doloridas. Os elementos importantes apresentados no início, como o conceito de fé dito pela mãe de Littlefoot, são retomados nos momentos certos e fecham os arcos narrativos.

Um filme tocante e nostálgico, sobre amadurecimento precoce, coragem perante o desconhecido, fé e união, “Em Busca do Vale Encantado” ainda vale a pena não só para as crianças em nós, mas para as nossas crianças. Um longa que não as trata como bobas, mas como seres capazes de entender conceitos humanos, e que deixa a ótima lição de que somos melhores juntos, não separados. Mensagem atemporal que é vital para o futuro da humanidade.

Bruno Passos
@passosnerds

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