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OPINIÃO   sexta-feira, 02 de agosto de 2019

Uma Nação Estressada (HBO, 2019): preocupações constantes

Aproveitando bem seu curto tempo, o documentário da HBO explora os problemas que levaram ao aumento nas mortes nos EUA, principalmente da classe média branca.

Investindo em uma temática social-econômica diretamente ligada à realidade dos Estados Unidos, o documentário da HBOUma Nação Estressada” busca encontrar os motivos para o aumento no número de suicídios, especialmente dos mais jovens, grupo social mais vulnerável ao consumo de álcool, medicamentos ou drogas, uma porta de entrada para problemas maiores. Ao lado da obesidade, um problema também ligado ao estresse, esses males se tornam tema de investigação do médico e jornalista de Atlanta, Sanjay Gupta, figura conhecida nacionalmente pelos seus comentários no canal de notícias CNN. Na sua jornada em busca de respostas, somos premiados com um belo documentário, de forte caráter econômico e sociológico.

Os relatos obtidos por Sanjay são colhidos entre todo tipo de fonte, desde médicos, passando por economistas renomados, chegando a pessoas diretamente afetadas pelos males do estresse, principalmente aqueles com menor renda, mais suscetíveis. O primeiro entrevistado, o também médico Dr. Cyril Wecht, descreve as pressões advindas de uma sociedade cada vez mais robotizada, onde o trabalho se torna impessoal e, em geral nas baixas funções, cada vez mais mecânico. Além disso, Wecht, também legista, descreve situações onde jovens, na busca de evitar sofrimentos, se automedicam, aumentando a chance de mortes por overdose. Esse problema se torna nítido na cena inicial, quando o veterano médico se questiona e lamenta os vários corpos recém chegados ao necrotério, grande parte constituída de gente nova.

Outro problema levantado por “Uma Nação Estressada” está relacionado com questões econômicas, especialmente a perda do emprego. Questionando o ideal do sonho americano, filosofia de vida que promete recompensas futuras para os mais esforçados, e focando sua investigação na classe média branca, grupo com maior número de mortes nos EUA nos últimos anos, Sanjay Gupta visita a região conhecida como “Cinturão da Ferrugem”, estados da região Nordeste e Meio-Oeste americano vítima da decadência no setor industrial, causadora da demissão de milhares de trabalhadores. Na cidade de Pittsburgh, pessoas desesperadas, que trabalharam a vida inteira em uma única empresa e foram dispensadas, procuram formas alternativas de viver. Em um caso extremo, vemos um desempregado caçando animais selvagens para conseguir economizar com a alimentação. A angústia diária dessas pessoas cresce até chegar a um ponto onde os vícios passam a controlar suas vidas. Para essas pessoas, o risco de suicídios aumenta.

Em apenas uma hora e oito minutos, o documentário da HBO consegue ser preciso em vários pontos. Sem desperdiçar nenhum minuto do seu tempo, o diretor Marc Levin (“Brick City”), notório em produções voltadas para temáticas sociais, aborda questões que vão além da economia e do simples rótulo responsável por acusar os mais pobres de morrerem mais devido às suas vulnerabilidades sociais. Um dos debates mais interessantes, e polêmicos, se dá na Universidade de Princeton com os professores de economia Anne Case e Sir Angus Deaton (Nobel de Economia) sobre existir ou não uma espécie de darwinismo social, com os mais pobres não estando aptos para viver na nossa competitiva sociedade. A pergunta sem respostas é se as pessoas mais vulneráveis, vítimas de um discurso de falta de mérito ou esforço, merecem morrer?

Mudando seu foco, Sanjay ainda consegue abordar o impacto das redes sociais sobre as pessoas, principalmente nas mais novas. Todos os riscos da exposição contínua a conteúdos ilusórios, dando a falsa sensação de existir vidas perfeitas, podem abalar as mentes menos preparadas, ou mais inocentes, que passam a achar que aquilo é a realidade. Ao mostrar também a faceta dos males causados pela tecnologia, o documentário se torna mais completo e abre uma possibilidade de diálogo com o público mais jovem.

Com suas multinarrativas transitando entre a sociologia, medicina, economia e tecnologia, “Uma Nação Estressada” se destaca por conseguir levantar diversas problemáticas contemporâneas de modo direto, com uma linguagem simples, propiciando o entendimento do grande público. O fato de Sanjay Gupta ir para a “rua”, deixando o consultório médico, talvez aproveitando sua experiência de jornalista e apresentando casos reais, como o da mulher viciada em remédios contra a dor que decide se tratar do vício, torna a história mais factível e ajuda a criar laços com o público.

O desenvolvimento causado pela globalização, especialmente a integração econômica, permite abrir os horizontes do documentário. Focado na sociedade americana, os casos apresentados podem muito bem ser aplicados a realidade brasileira, por exemplo. Nossos problemas sociais, cada vez mais complexos, servem de alerta para, no futuro – ou talvez agora – não sejamos também uma nação estressada.

Filipe Scotti
@filipescotti

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