Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 31 de julho de 2019

Metallica – Some Kind of Monster (2004): monstros do rock, monstros no rock

Documentário mergulha nos relacionamentos tóxicos da banda para ilustrar uma jornada de autoconhecimento e cura, enriquecida pela coragem de permitir que momentos pessoais e íntimos entre eles fossem filmados.

Em 2001, o Metallica contrata os cineastas Joe Berlinger (“Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”) e Bruce Sinofsky (“Paradise Lost 3: Purgatory”) para dirigir um documentário sobre a produção do novo álbum. Na época, a banda alugou um espaço em San Francisco onde montaram um estúdio e a ideia era criar tudo novo, nada previamente composto. Entretanto, a saída do baixista Jason Newsted no início do processo traz à tona problemas de relacionamento que transformam a obra, que deixa de ser um making of e se torna “Metallica: Some Kind of Monster”, uma corajosa e intimista janela para as aflições dos membros da banda.

Com os nervos à flor da pele e o relacionamento entre o vocalista James Hetfield e o baterista Lars Ulrich se deteriorando, a banda contrata o terapeuta Phil Towle para fazer parte de sua trupe e ajudá-los a encontrar uma saída daquele ambiente tóxico que acabou sendo criado por anos de sentimentos mal resolvidos. Outro que aparece bastante no documentário é Bob Rock, o produtor do Metallica que também acabou tocando as faixas de baixo no álbum.

Nota-se a mudança da abordagem da obra quando, logo no início, Hetfield pega todos de surpresa e se interna numa clínica de reabilitação para lidar com seu alcoolismo, numa tentativa de procurar uma cura para seus fantasmas internos. Este fato é bem explorado pelos diretores, que aproveitaram a coragem da banda de permitir que as câmeras estivessem presentes em momentos bastante pessoais para ilustrar o quão venenosa ela vinha se tornando para seus membros. A ausência inesperada do vocalista a deixa perdida, sem saber quanto tempo ele vai ficar fora, período no qual o terapeuta continua trabalhando Ulrich, resultando num dos melhores momentos da obra quando, como parte do processo, coloca o baterista frente a frente com Dave Mustaine, guitarrista demitido logo no início e fundou a banda Megadeth. As mágoas que geraram trocas de farpas por anos são expostas numa conversa franca que, por si só, já faz o documentário valer a pena para quem conhece a história do Metallica.

As sucessivas mudanças inesperadas geraram até conversas sobre se o documentário continuaria a ser produzido ou não. Com a volta de Hetfield um ano após se internar, membros da banda se reúnem com os próprios cineastas para conversar sobre o que seria melhor. Novamente a obra ganha pontos pela decisão de permitir que as câmeras filmassem até esse tipo de reunião, e daí para a frente segue com o intimista mergulho nas dificuldades da banda em se relacionar, tendo até Ulrich gritando um palavrão a centímetros da cara do vocalista, indignado pela exigência que a banda trabalhe apenas quatro horas por dia, seguindo instruções do seu processo de reabilitação.

É um longa mais sobre terapia e relacionamentos do que sobre rock n’ roll. Todo o difícil processo de cura e de achar um meio termo é escancarado. Se vemos Hetfield tendo dificuldades em lidar com a banda e o temperamento de Ulrich, também o vemos se dedicando a ser um pai e marido melhor. A montagem mescla esses elementos de diferentes conflitos muito bem, nunca deixando a obra confusa e gerando um misto de empatia e desconforto. No meio disso tudo, aprendemos que o guitarrista Kirk Hammett, claramente mais tranquilo do que seus colegas, é aquele que evita se meter nas brigas e aguarda ansiosamente que tudo se resolva. Os diretores acertam em conseguir dar foco aos três de maneira que o espectador possa simpatizar com todos, entendendo os diferentes pontos de vista e o porquê da dificuldade de fazer com que eles coexistam.

Entretanto, há momentos em que as relações pessoais são deixadas de lado pelos diretores para focar em outros aspectos da banda, como as duras críticas recebidas após a forte campanha feita por Ulrich contra o Napster, programa que iniciou o boom de download de músicas em mp3, e a contratação do novo baixista Robert Trujillo. São momentos interessantes que funcionam em ilustrar as personalidades e a evolução de seus relacionamentos, mas também parecem destoar da proposta principal da obra. Isso é compreensível considerando que ela começou com outro objetivo e foi mudando conforme trazia novos elementos o mar de surpresas que foram esses anos de produção do novo álbum.

Com o lançamento do álbum (“St. Anger”), o longa mostra a banda mais em paz consigo mesma. O disco foi lançado e atingiu o topo das paradas, mas o documentário não foca no fato de que é um dos seus álbuns mais criticados. “Metallica: Some Kind of Monster” leva o público a testemunhar o turbilhão de emoções pelo qual os membros passaram para não só criar um álbum, mas também para decidir se continuariam a ser uma das maiores bandas de rock da história.

Bruno Passos
@passosnerds

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