Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de julho de 2019

Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019): o rei do show

Levada pelo carisma de seu protagonista, a produção mantém-se equilibrada em retratar a figura de um dos serial killers mais infames dos Estados Unidos sem expor suas vítimas.

Extremamente malvado, chocantemente mal e vil. Ted Bundy assombrou os Estados Unidos entre os anos 1974 e 1978 devido ao seu envolvimento em mais de 30 mortes brutais de jovens estudantes. Sua culpa era inquestionável, mas ainda assim a figura de Ted dividiu opiniões, pois ao mesmo tempo que existia o repúdio uma legião de admiradoras surgiu. Isso ligou um sinal de alerta: o assassino pode ser qualquer um, até mesmo um rapaz inteligente, bonito, atraente e com um futuro promissor. Na busca por alguém que sustentasse tais características e ainda soasse maléfico, o diretor Joe Berlinger (“Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy”) recrutou Zac Efron (“O Rei do Show”), considerado por muitos um modelo de beleza para nossa época, para dar vida ao necrófilo em “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”.

Apesar da perspectiva meio confusa da narrativa, o ator entrega uma atuação certeira, evocando com maestria, carisma e perversidade para comandar o show. Baseada no livro “The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy” escrito pela ex-namorada Elizabeth Kendall, a trama percorre a trajetória de Theodore Robert Cowell desde o momento em que se envolve com a vulnerável Liz e a filha dela, passando pelo midiático julgamento até sua condenação à cadeira elétrica. Enquanto no documentário “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy” Joe Berlinger tem como ponto de partida enfileirar uma série de testemunhos e entrevistas de pessoas ligadas à Bundy, oferecendo uma experiência muito mais imersiva no psicológico do criminoso, para esse filme o mesmo Berlinger propõe mudanças interessantes em prol do entretenimento a partir do argumento sinuoso de Michael Werwie (“Lost Girls“). A mais notável e que diferencia as obras é o fato de dar a Liz Kendall (Lily Collins, “Tolkien”) um papel de destaque, pois nada mais justo do que desenvolver a narrativa tendo como premissa o ponto de vista de uma sobrevivente que foi tão próxima do protagonista.

A escolha atribui à produção um desenvolvimento dramático menos agressivo quando comparado ao documentário e Lily Collins demonstra ser uma escalação correta por parte da direção. Ela confere à sua personagem a insegurança de uma mãe solteira na década de 70 (reparem como os primeiros diálogos com uma amiga deixam claro como uma mulher naquelas condições era mal vista e considerada um problema para os homens), melancolia e insatisfação no trabalho como secretária de uma pequena empresa (planos reforçam sua postura amargurada). Além disso, seu biotipo mais franzino é transformado numa fragilidade física, que regularmente a coloca sempre acuada e menor do que a figura de Efron nas várias vezes em que compartilham cenas. Entre erros e acertos, esse é o que mais prejudica o desenrolar da narrativa. Ela surge como a protagonista de sua história, entretanto, sucumbe ao carisma e magnetismo do ator, cuja propensão em causar desconforto lança sua interpretação como uma das melhores da carreira.

Acrescenta-se ao mérito da estudada composição de Efron, a sensibilidade e o conhecimento do diretor para com seu alvo, revelado em planos inventivos e close-ups sutis capazes de causar um frio na espinha do espectador sem a necessidade de expor em tela as atrocidades que Bundy cometeu. Uma faca de cozinha usada para picar um tomate, as mãos que percorrem o pescoço de sua namorada e um copo que se quebra em meio a uma sequência romântica são captados de maneira engenhosa, subvertendo a expectativa de quem assiste e causando profundo sentimento de inquietação. Outro ponto significativo da narrativa está no espaço disponibilizado nela para a construção de um terceiro ato vigoroso que traz os elementos mais intrigantes de um bom filme de tribunal, onde mais uma vez Zac Efron demonstra ampla presença de cena para persuadir jurados, enfrentar o juiz e dar à audiência de dentro e fora da telona um show inesperadamente bizarro.

Embalada por uma trilha sonora despojada e dançante cuja função é fortalecer o “bom-mocismo” do personagem e esconder suas verdadeiras intenções, “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” termina sendo uma daquelas produções feitas para que apenas uma estrela brilhe. Com exceção de Lily Collins que tenta chamar o drama para si, carinhas conhecidas como Jim Parsons (“Big Bang: A Teoria”), John Malkovich (“Bird Box – Caixa de Pássaros”), Kaya Scodelario (“Maze Runner: A Cura Mortal”) e Haley Joel Osment (“O Sexto Sentido”) desempenham os chamados papéis “cama-elástica” para que o protagonista use e abuse para tomar impulso e alçar voos altos na trama. A obra independe do sangue e da violência para chocar. Desfazer-se desses elementos tão presentes na jornada fria de Bundy, não só poupa as pessoas que de algum modo tiveram ligação com os mortos como salienta boa articulação de direção e roteiro em torno da fabricação do suspense, que não é tão imersivo como a realidade do documentário, mas cheio de valor.

Renato Caliman
@renato_caliman

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