Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de julho de 2019

Superação – O Milagre da Fé (2019): amor fraternal

Drama melancólico e empático mostra que o conceito de humanidade é o verdadeiro milagre.

Se existe uma coisa que o cinema norte-americano valoriza, esta é o cinema religioso. São inúmeros exemplares todos os anos e o Brasil, que é o país com a maior população católica do mundo, também recebe alguns deles por aqui de braços abertos. O poder desse subgênero é tão grande que consegue angariar atores conhecidos a sua proposta. Inicialmente atinge apenas o nicho dos fiéis, mas logo se espalha pelo público em geral. A maioria dessas histórias é baseada em fatos, o que também ajuda na construção da identificação imediata, como é o caso de “Superação: O Milagre da Fé” que conta a história de John Smith, um garoto de 14 anos que brincava com seus amigos no lago St. Louis, no Missouri.

A superfície do lago que estava congelada acaba cedendo, fazendo com que o menino caísse e passasse cerca de 15 minutos afogado. Mesmo com o rápido resgate, John (Marcel Ruiz, da série “One Day At a Time”) é dado como morto, até sua mãe chegar ao hospital, uma mulher de fé que faz uma oração e milagrosamente surge uma oportunidade de sair daquela situação. O início da produção é bastante promissor, já que a diretora Roxann Dawson (da série “House of Cards”) dá um ar quase celestial à jornada de John, abusando dos flares de lente, além de imagens angelicais que trazem uma metáfora condizente com a história que vamos acompanhar. Por ser adotado, o garoto passa pela fase da adolescência rebelde potencializada, como se não soubesse seu lugar no mundo, e para isso conta com a ajuda da mãe Joyce (Chrissy Metz, da série “This is Us”).

Ela, uma fiel bastante fervorosa, também não tem uma boa relação com o novo pastor da igreja Jason (Topher Grace, “Infiltrado na Klan”) e, durante boa parte do filme, um debate entre conservadorismo x inovação é bastante promissor. Jason quer trazer os mais jovens à sua igreja, mas Joyce não encara muito bem o modo como isso é feito. É uma pena que tal discussão ganhe pouco tempo de tela. Enfim, o acidente acaba estreitando as relações entre ambos. O texto de Grant Nieporte (“Sete Vidas”), baseado no livro de Joyce Smith homônimo no Brasil, deixa a sutileza de lado na segunda parte da produção e dá lugar a uma linguagem mais fantástica para, de certa forma, dar sentido ao título do filme.

A cena do acidente seguida do resgate tem momentos inspiradíssimos e até poéticos, auxiliada pela trilha sonora no estilo Hillsong United (que está no trailer inclusive). A atuação de Metz é algo tocante e a cena do seu clamor é de partir o coração, apesar de sua personagem ter toda a empatia transformada em antipatia com o decorrer do tempo, que mesmo com uma confissão de um trauma passado não muda o sentimento gerado. Ao avançar, a obra não sabe estabelecer qual tom seguir, indo dos “pés no chão” à inverossimilhança em poucos segundos (a cena em que todo o hospital para e olha para Joyce é algo que não aconteceria, por exemplo). Já em outras vezes funciona, como na cena em que todos vão ao hospital fazer uma vigília para John, a mais emocionante do longa.

O filme também propõe o embate entre fé e racionalidade, por vezes tornando os médicos “vilões”, provindos de certo egoísmo da protagonista que se considera melhor por acreditar em Deus, indo ao encontro do velho discurso de ateus caindo em si, com subtramas desnecessárias de personagens secundários desinteressantes. O bombeiro Tommy por exemplo, vivido por Mike Colter (da série “Luke Cage”), faz uma participação de luxo, reforçando o esteriótipo do homem de pouca fé. Aliás, a presença de atores que estão em séries americanas dão ao filme uma cara de exclusivamente feito para a TV.

Mesmo com todos os problemas, “Superação: O Milagre da Fé” não fala só de religiosidade, mas ressalta a importância do conceito de comunidade, afinal, sem todas aquelas pessoas que trabalharam ao redor do caso, sejam elas médicos, bombeiros, familiares, pastores e fiéis, John não teria sobrevivido. No fim, o amor e a união entre aqueles que oraram pela vida do garoto e o ajudaram mostram que a fé na humanidade supera todas as outras.

Tiago Soares
@rapadura

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