Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de julho de 2019

Hip-Hop Beats (Netflix, 2019): um tom acima da receita

Pelo painel da violenta periferia de Chicago, o drama de maturidade e superação conta uma típica história de mentor e talento descoberto com toques inspirados da direção.

As ruas de Chicago à noite não são para principiante. O adolescente August (Khalil Everage, da série “Cobra Kai”) tentava uma vida normal, mas a violência das gangues o deixa com um trauma que o afasta da escola e dos amigos. Por acaso do destino, o ex-produtor musical Romelo Reese (Anthony Anderson, da série “Black-ish”) descobre que o recluso menino tem talento para o hip-hop ao escutar as batidas que August cria sozinho em casa. O relacionamento entre Romelo e o jovem gênio para tentar construir um caminho para o sucesso apesar dos problemas pessoais de ambos é tema da produção “Hip-Hop Beats” da Netflix.

O prólogo que serve para plantar empatia no coração dos espectadores é bruto e eficaz. Tanto que a função dos créditos iniciais passa a ser também dar um tempo para o público respirar e se acalmar antes de continuar com a história 18 meses depois do evento em questão. August tem 17 anos, vive preso num pobre apartamento sob os cuidados da mãe (Uzo Aduba, da série “Orange Is The New Black”) e tem ataques de ansiedade por estresse pós-traumático. Por causa disso, perdeu o contato com os amigos e a única proximidade com o exterior é pela janela do seu quarto, de onde cultiva um amor platônico. É neste pequeno ambiente que o menino desenvolve o passatempo de criar batidas eletrônicas com seu equipamento amador.

Apesar de August ser o centro do filme, é o personagem do mentor que se desenvolve melhor na narrativa. Enquanto já sabemos os obstáculos e motivações do menino desde o início, a vida de Romelo é estudada no desenrolar da história. Fracassado como empresário musical e mergulhado em problemas pessoais, o produtor decide fazer de tudo para lançar o prodígio que descobriu ao acaso. Quando caminha pela perspectiva de August, “Hip-Hop Beats” é um drama de maturidade e superação ancorado pelo carisma do menino e com toques de fantasia. Já pela trajetória de Romelo vemos se desdobrar um interessante estudo de personagem. A relação entre os dois é tensa, frágil e perigosa, uma vez que a promessa de sucesso requer atravessar por muitas questões pesadas e não resolvidas para os protagonistas.

Num segundo plano, as técnicas de fotografia utilizadas neste longa marcam a sua identidade. Por um jogo de velocidade e exposição da câmera, as luzes de fundo são borradas causando um efeito bokeh meio exagerado, mas que ajuda a afastar o retrato da cruel realidade violenta. O diretor Chris Robinson (“ATL – O Som do Gueto”), que possui uma extensa carreira em videoclipes musicais, dá preferência aos close-ups nos diálogos, favorecendo esse tipo de plano com mais frequência que o esperado. O resultado é uma maior força magnética atraindo a atenção do espectador para os conflitos dos personagens num filme que poderia facilmente perdê-la, já que as janelas de exibição da Netflix costumam ser pequenas como em celulares. Construídos pela edição de som e imagem, planos subjetivos refletem o estado psíquico de August e ajudam a definir “Hip-Hop Beats” como uma obra inventiva e inspirada.

Ao propor o hip-hop como tema secundário, o longa até esboça tratar a trilha como um personagem à parte, mas a deixa de lado à medida que a narrativa mergulha nos conflitos. De forma semelhante, e ironicamente, os “beats” do roteiro também acabam caindo na repetição estrutural do gênero. Na sombra de excelentes produções semelhantes como “Whiplash: Em Busca da Perfeição” e “8 Mile – Rua das Ilusões”, o terceiro ato infelizmente desanda ao tentar construir um clímax dramático e uma resolução satisfatória que sirvam tanto para o público quanto para os personagens. De certa maneira, o filme perde a confiança na sua originalidade e decide apostar num desfecho já corriqueiro apesar das viradas.

Sendo uma produção feita diretamente para streaming, o cuidado de “Hip-Hop Beats” como narrativa audiovisual é muito acima da média. E cair na estrutura clássica de um gênero consolidado não desmerece o filme. Não exagerar na inventividade mantém a história palatável para um grande público, que então pode saborear os detalhes estéticos que diferenciam a obra dos clichês, ao mesmo tempo que ela não se distancia demais do que se espera pela trama. Alguns filmes possuem uma qualidade que os brasileiros aprenderam a classificar como “sessão da tarde”. Com boas atuações e uma direção presente, este é um deles.

William Sousa
@williamsousa

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