Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 10 de julho de 2019

O Legado Kennedy (2017): maldição familiar

Segredos e manipulações movem a narrativa de "O Legado Kennedy", mesmo que lentamente.

A família Kennedy é azarada. Pelo menos é isso que os primeiros minutos de “O Legado Kennedy” querem deixar bem claro. Entre figuras masculinas fortes e peculiares, o flerte com o azar parece ditar o tom de um clã que nasceu com o dom de liderar. Tudo ameaça desmoronar em 8 de julho de 1969, quando Ted Kennedy (Jason Clarke, “Cemitério Maldito“), senador do estado de Massachusetts, se envolve em um acidente com sua estrategista de campanha Mary Jo Kopechne (Kate Mara, “Perdido em Marte”) em uma ponte na ilha de Chappaquiddick e abandona o local do mesmo, reportando às autoridades apenas no dia seguinte. Após a morte de Mary, tal caso o faz repensar sua possível e futura candidatura a presidente, sua vida política e pessoal, além de suas relações profissionais e com as pessoas que ama.

O que se vê é uma trama de acobertamento, sem nenhum respeito à vítima e tendo apenas um vilão: o jogo político. Saem os assessores de campanha, entram os estrategistas, dispostos a driblar ou passar por cima de qualquer lei pré-estabelecida. Desde o início, o filme de John Curran (“Homens em Fúria”) trabalha a teimosia de seu protagonista, que desesperado para ter voz, acaba tomando decisões precipitadas, colocando tudo a perder. A fotografia amarelada pré-acidente se destaca e contraria a opacidade que se vê após o ocorrido, por sinal muito bem filmado, deixando o conteúdo forte e gráfico. Por longos momentos silenciosos, o conflito interno de Ted deixa o filme monótono, salvo pela difícil relação com o pai Joseph Kennedy, em atuação difícil e acertada de Bruce Dern (“Nebraska”).

Trâmites políticos e jurídicos são usados aos montes para salvar a pele do senador, que em dado momento, deseja não ser lembrado pelas suas falhas. Mesmo com um roteiro por vezes piegas e recheado de discursos prontos, existe sobrevida na crise existencial do seu protagonista, graças à boa atuação de Clarke. Se complicando nas próprias mentiras, o personagem tenta driblar as especulações da imprensa, que tem um papel político fundamental em todo o caso. À medida que os dias passam, a chegada do homem à lua e a corrida espacial parecem abafar a história, revelando a irmandade que sempre existiu entre os homens. Vivendo à sombra do Kennedy maior (o ex-presidente John), o irmão mais novo Ted vive fazendo tratados às escuras, ao mesmo tempo que se pergunta sobre qual seria o peso daquelas mentiras.

A ambição política desperta um emaranhado de manipulações, que vão desde as autoridades até os seus eleitores, fazendo com que Ted continue sendo o senador mais votado do estado. Bastante intenso, “O Legado Kennedy” é fiel à sua época, desde o linguajar e a vestimenta até a visão de mundo patriarcal. A bússola moral de Ted está na figura de Joseph Gargan (Ed Helms, “Férias Frustradas”), repleto de discursos que por mais que pareçam úteis, se tornam desnecessários, mesmo com o sentimento de culpa trazida pelos pais de Mary. Tais discursos tornam o drama político mais interessante, mas não menos acobertador.

Tiago Soares
@rapadura

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