Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de julho de 2019

A Princesa e o Robô (1983): vozes marcantes da Turma da Mônica [CLÁSSICO]

Primeiro longa totalmente animado da "Turma da Mônica" é recheado de nostalgia e carinho. Embora não tenha envelhecido bem, foi a estreia das marcantes vozes dos personagens num filme inspirado por "Star Wars".

Em 1982, chegava aos cinemas brasileiros “As Aventuras da Turma da Mônica”, com quatro contos animados misturados com participações em live action do próprio autor (e diretor) Maurício de Sousa. O último desses contos trazia uma clara inspiração da franquia “Star Wars” com o título “O Império Empacota”, que no ano seguinte serviria de inspiração para o primeiro longa-metragem totalmente animado da turminha, chamado “A Princesa e o Robô”.

A inspiração em “Star Wars” aqui vai muito além do que apenas resultar no título do último segmento do filme anterior. O que claramente é uma ópera espacial da turminha também traz acenos sutis à criação de mundos e criaturas advindas do universo de George Lucas, como a pluralidade de seres de diferentes origens e biologias na plateia do torneio do início, as batalhas espaciais, e o herói num embate de capa e espada contra um vilão com uma máscara do mesmo formato da de Darth Vader. A homenagem é rica e bem aproveitada.

Quanto ao filme em si, ele é bastante infantil. Temos aqui um robô do planeta Cenourando (onde os habitantes são coelhos bípedes sencientes, e o formato de cenoura está em todo lugar, da arquitetura até no próprio planeta), que é atingido pelo raio de luz de um pulsar, que a narração inicial diz que são estrelas que pulsam como um grande coração iluminado. O robô imediatamente ganha emoções e expressões que o distinguem dos outros belicosos e repetitivos. Ponto para a narrativa visual da animação em ter todos os robôs com olhos ameaçadores e coloridos, mas os do protagonista mudam para a forma preta e branca da turminha, gerando imediata conexão e empatia.

O robô (voz de André Luis) então se apaixona pela princesa Mimi (Flora Maria Fernandes), que está assistindo ao tal torneio, pois de acordo com as leis locais, deve se casar com o vencedor. É um conceito ultrapassado que não funciona bem no século XXI, mas o filme é apenas um retrato da época. Mantendo o clima inocente, o amor entre os dois nasce à primeira vista, o que vai contra os planos do vilão sedento por poder Lorde Coelhão (Araken Saldanha, de “O Grande Xerife”, na melhor interpretação da obra, equilibrando bem a comédia com sua voz grave).

Você pode estar se perguntando como a Turma da Mônica entra na trama, e pode te surpreender que demora uma boa porção do filme para eles entrarem em cena. Lorde Coelhão perde o torneio para o robô, mas logo chama a atenção para o fato de ele não ter um coração, o que o torna inelegível para se casar. O rei (Marthus Mathias, “A Hora do Medo”) dá um prazo de três dias para que ele consiga um, evidenciando o clima simples e de extrema inocência que permeia a obra. O protagonista acaba vindo para a Terra, onde Mônica e companhia contam com a ajuda do Franjinha (Orlando Vigiani Filho, “Mônica e a Sereia do Rio”) para construir uma nave que leve o robô até um pulsar.

Entretanto, mesmo com uma trama trivial voltada para crianças pequenas, há bom uso de humor aqui, que pontua o roteiro em ótimos momentos. A “batalha final” do torneio é de rachar o bico, tanto pela piada em si como pelo recurso visual utilizado, e é um dos elementos que ajuda a manter o equilíbrio do longa, que mesmo simples, consegue fugir do bobo. O personagem Zoiúdo (Older Cazarré, “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”) faz a ponte para várias das boas cenas cômicas do filme.

A aparente simplicidade da obra não esconde as boas referências a arquétipos presentes em “Pinóquio” e “O Mágico de Oz”, por exemplo, fazendo bom uso da simbologia abstrata do que é, de fato, necessário para ser gentil e amoroso. Há, porém, momentos anômalos e sem sentido, como um personagem estar de cueca e, após um corte, estar vestido. A animação em si é bem acima do esperado para um filme feito no Brasil sem a facilidade de recursos de Hollywood. Aliás, há alguns momentos em que verdadeiramente brilha, como numa das cenas finais em que há muito uso de luz e sombras mescladas com movimentos.

Outro elemento da obra é que há músicas compostas pelo próprio Maurício de Sousa, que contou com o auxílio de Leão Waisman e Lino Simão. São canções adoráveis que intercalam a narrativa em momentos geralmente acertados. Fica apenas a crítica que a usada para a viagem espacial se delonga mais do que o necessário.

Historicamente, há de se dizer que este filme inaugurou uma era na memória audiovisual da “Turma da Mônica”, pois aqui estrearam os dubladores que fariam as vozes desses personagens por décadas, eternamente marcando sua vida profissional e fazendo parte da iconografia das criações de Maurício de Sousa. Marli Bortoletto como Mônica, Angélica Santos como Cebolinha, Elza Gonçalves como Magali e Paulo Cavalcante (na época creditado como Paulo Camargo) como Cascão entraram para o imaginário dos fãs pelo papel vital de trazer à vida esses grandes símbolos da cultura brasileira.

Nunca lançado em DVD ou Blu-ray, o longa foi revitalizado no início de 2019 e publicado na íntegra no canal oficial da Turma da Mônica no YouTube em comemoração aos 10 milhões de inscritos. É ótimo ter esse registro de uma das primeiras obras audiovisuais de personagens tão queridos, mas é uma pena não ter havido algum tipo de restauração prévia. A imagem não está nítida e o áudio um pouco estourado (em alguns momentos, é verdadeiramente difícil de entender o que está sendo dito).

Mesmo com sua extrema simplicidade e uma qualidade de imagem e som aquém da ideal, “A Princesa e o Robô” é um marco da “Turma da Mônica”, trazendo uma animação fluida, inspirações em ícones essenciais da cultura pop, humor bem dosado e metalinguístico, e as vozes que são parte eterna desses personagens tão queridos.

Bruno Passos
@passosnerds

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