Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de junho de 2019

Juntos para Sempre (2019): difícil de defender

Sequência de “Quatro Vidas de um Cachorro” consegue ser menos ruim, mas ainda está a largos passos da qualidade de outros filmes do gênero.

Bailey é o nome do cachorrinho com voz de gente (Josh Gad, “Frozen”) e questões existenciais como conhecemos em “Quatro Vidas de um Cachorro”. Para quem ainda não sabe, “Juntos para Sempre” é uma sequência para a obra supracitada, mas vale adiantar que não é preciso ver a primeira para acompanhar a segunda, até porque a estrutura de ambas se baseia numa premissa especial: Bailey reencarna diversas vezes no corpo de diferentes cães ao longo dos filmes. Enquanto no primeiro o bichano tentava encontrar seu propósito, no segundo seu objetivo é simplesmente cuidar da neta do seu dono preferido, Ethan (Dennis Quaid, “Eu Só Posso Imaginar”).

Acelerada. Esta é a melhor palavra pra definir a história deste longa de Gail Mancuso, diretora com extensa carreira na televisão, mas em sua primeira incursão no cinema. Sem tempo a perder, a relação entre os personagens principais é explicada na primeira sequência. Bailey começa no corpo de um São Bernardo seguindo o fim do filme anterior. Ethan é casado com Hannah (Marg Helgenberger, da série “Under the Dome”) e os dois moram com a nora, Gloria (Betty Gilpin, “Megarromântico”), e a neta CJ, interpretada por Abby Ryder Fortson (“Homem-Formiga e a Vespa”) quando criança e por Kathryn Prescott (“O Mínimo para Viver”) quando adulta. Gloria é uma mulher egoísta, completamente vilanesca, que não dá atenção à filha pequena e vive colocando seus interesses em primeiro lugar. Na primeira oportunidade, ela deixa a casa dos sogros bonachões levando CJ consigo.

A introdução também deixa claro como funcionam as regras desse universo. Os pensamentos de Bailey são ouvidos como narração somente pelos espectadores. Para os outros personagens, ele é um cachorro normal, exceto para Ethan, que acredita na sua capacidade especial de renascer no corpo de outros cães. A tentativa de humanizar a perspectiva do animal com dublagem é estranha, como a voz de Bruce Willis no bebê de “Olha Quem Está Falando”, mas é preciso entrar na brincadeira para o filme se tornar pelo menos palatável. É como se fosse a voz de uma criança, sem maturidade para entender o mundo dos adultos, mas perceptível o suficiente para sentir as emoções latentes nas cenas.

As piadas na voz de Bailey não têm inspiração e são às vezes constrangedoras. Também não há muita ação que transmita a fofura dos cachorros (para isso prefira vídeos de pets no YouTube). Acaba que a função principal dele passa a ser espelhar os pensamentos de quem observa as cenas, ou seja, explicar o filme pra quem não entendeu. Como a mesma voz acompanha as diversas vidas dos cães, ela ajuda na identificação do público como se fosse um personagem só (apesar dos corpos diferentes), mas limita a ousadia da obra se optasse por não se apoiar na voz humana e ficasse simplesmente com o animal de verdade. Assim fizeram com muito mais sucesso vários outros filmes do gênero, como “Marley e Eu”, “Beethoven, o Magnífico” e “Sempre Ao Seu Lado”, além de personagens clássicos inesquecíveis como Rin-Tin-Tin e Lassie.

Quando o filme declara o objetivo do protagonista, que é encontrar CJ para cuidar da menina sem se importar com quantas vidas serão necessárias, não demoram cinco minutos para isso acontecer. A obra insiste em se entender como uma jornada de busca, com a perspectiva de Bailey sempre em voga, e perde a chance de explorar a trajetória da menina que o cachorro persegue. CJ cresce aos nossos olhos, passa pelos problemas da vida, mas tudo é corrido demais e a narrativa não nos dá chance para se importar com ela, pois não constrói nenhum desenvolvimento de personagem apesar das oportunidades dramáticas. Até o apreço que Bailey sente por ela é raso de início – o que move o bichano é simplesmente obedecer à ordem de Ethan para achar a neta.

São inúmeras as chances de problematizar o filme, desde a magia por trás das reencarnações convenientes, do maniqueísmo extremo por trás dos personagens coadjuvantes, da violência que cerca a menina ao longo da história sem deixar traumas, da maquiagem risível dos únicos personagens que envelhecem e, talvez a pior delas, o fato de que o cachorro renasce sempre nas mãos de cuidadores negros, mas precisa fugir atrás da personagem branca. A dica é desligar o cérebro e se concentrar no amor aos “doguinhos” para poder assistir a “Juntos para Sempre”. Com ajuda da trilha sonora manipuladora, é a única maneira de talvez se emocionar com o longa.

Podemos relevar que gravar com animais é realmente complicado, ainda mais tentando humanizar e controlar suas reações. A montagem fica comprometida demais como consequência, mas é um ponto a se aceitar nos filmes que usam bichos reais no lugar de animações computadorizadas, desde que se garanta o bem-estar deles, é claro. Com essa questão à parte, infelizmente o longa não faz nada bem como cinema. Não dá para se apoiar somente no apelo dos cachorros para vender ingressos e não se importar com o resto. É preciso mais cuidado com um filme para justificar o tempo e o dinheiro investido do espectador.

William Sousa
@williamsousa

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