Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de junho de 2019

Democracia em Vertigem (Netflix, 2019): a arquitetura do caos

Documentário de Petra Costa combina suas memórias familiares com o turbilhão político brasileiro dos últimos anos, buscando respostas para a atual situação do país.

O Brasil passa por momentos quentes e impensáveis até mesmo para o mais criativo dos roteiristas em sua história política desde 2013, quando protestos populares contra o aumento do preço das passagens de ônibus em São Paulo (os famosos “vinte centavos”) se espalharam pelo país abraçando diversas outras pautas, como a luta contra a corrupção, críticas ao custo de vida nas grandes cidades e os impostos pagos sem a devida sensação de retorno aos cidadãos. Em 2016, a reeleição de Dilma Rousseff por pequena margem de diferença sobre Aécio Neves já revelava uma profunda divisão no país entre esquerda e direita, acentuada pela crise econômica subsequente, que inflamou ainda mais as ruas. À essa altura estava claro que não era “só pelos vinte centavos” que as pessoas estavam na rua. A mobilização foi mudando de forma, cores e tons, transformando-se em força de oposição ao governo. Em uma espiral de fatos negativos, naquele ano Dilma seria retirada da presidência por meio de um polêmico processo de impeachment; e dois anos mais tarde Lula, seu antecessor e político mais popular do país naqueles tempos, foi preso por corrupção e impedido de disputar a presidência em 2018. Recontando a cronologia desses acontecimentos a partir de uma abordagem biográfica, “Democracia em Vertigem” tenta entender como um governo marcado por conquistas sociais para milhões de pessoas ruiu e quais são as consequências disso para o país atualmente.

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O documentário de Petra Costa (“Olmo e a Gaivota” e “Elena”), disponível na Netflix, investe em uma narrativa que mistura os acontecimentos da vida de sua criadora com os rumos do Brasil desde a eleição de Lula, em 2002, até a sua prisão, em 2018. Neste percurso, vemos as esperanças dessa jovem que votava pela primeira vez à época em que Lula foi eleito se transformarem em preocupação diante do futuro, questionando como foi possível essa abrupta transformação. De maneira honesta, logo no início da narrativa, Petra indica a posição política da sua família, históricos militantes da esquerda que viram no surgimento do Partido dos Trabalhadores uma esperança contra as desigualdades e pela situação dos mais pobres. Ao assumir sua posição, fica mais fácil de entender o sentido que ela toma em sua história, defendendo a tese de um golpe arquitetado pelas elites políticas e econômicas do país, herdeiras da tradição oligopolista que remonta aos tempos coloniais.

A diretora também revela sua mais íntima contradição, diante do envolvimento familiar com o setor da construção civil no Brasil. A empreiteira Andrade-Gutierrez, cofundada por seu avô, tornou-se uma das maiores do país, figurando na lista das construtoras responsáveis pelo Palácio do Alvorada, onde mora o Presidente da República. Explica-se: as construtoras haviam sido peça central no esquema de corrupção revelado pela operação Lava Jato, tendo muitos de seus executivos condenados pelo pagamento de propinas e outros benefícios a políticos (como o alegado triplex que condenou Lula) em troca de contratos com o governo. Assim, ao revelar essa ligação familiar com a corrupção instaurada no Estado brasileiro, mas também assumir sua militância de esquerda, Petra encarna as próprias contradições e dicotomias de um país rachado.

Nesse país cada vez mais polarizado entre aqueles que dizem que foi golpe e os que viram no impeachment um procedimento democrático, Petra mostra com seu olhar singular os bastidores dos momentos políticos mais dramáticos do Brasil nesses últimos anos, com acesso a locais exclusivos, nos bastidores do poder e dentro da intimidade dos políticos, onde a imprensa jamais conseguiu chegar. Assim, ela revela como Dilma e Lula se comportaram nos principais episódios dessa epopeia trágica do PT, como quando Lula se entregou à Polícia Federal em São Bernardo do Campo, em 2018, rodeado por manifestantes que queriam impedir sua rendição.

Construindo ótimas interlocuções entre sua vida familiar, a partir do crescimento da empreiteira do avô e o caos social que tomou o Brasil, Petra revela o grau de irracionalidade que tomou conta das ruas e das relações pessoais, mesmo entre amigos e familiares, inclusive a sua. Como retrato sociológico, “Democracia em Vertigem” tenta sustentar a tese do golpe, colocando o contexto político e econômico em jogo e revelando em outros ângulos momentos intensamente cobertos pela mídia, com planos detalhes que reforçam a dramaticidade daqueles momentos através dos gestos e falas dos políticos. O acesso privilegiado e a sensibilidade da documentarista nos trazem ainda relatos curiosos e nunca antes vistos, como quanto a preocupação de Dilma sobre o que o mundo iria pensar do Brasil vendo todo o circo da votação do impeachment no Congresso Nacional, em que os excelentíssimos parlamentares dedicaram seus votos à família, a Deus e mesmo a torturadores da época do regime militar.

Fazendo um panorama do Brasil do passado e do Brasil atual, analisando seu sistema político de maneira não-isenta (o que não é necessariamente ruim neste caso), “Democracia em Vertigem” apresenta uma instigante perspectiva sobre nossa contemporaneidade ruidosa. Mesmo que não se concorde com sua abordagem ou viés, sem dúvidas um filme necessário para quem busca repensar a recente história brasileira. Assumindo a tese de que poderosas famílias dos setores bancários, midiáticos e produtivos se cansaram de um governo popular no comando do país, Petra conduz sua narrativa para mostrar justamente os passos que levaram ao declínio do Partido dos Trabalhadores e deslocaram o eixo da hegemonia política nacional à direita, primeiro com Michel Temer, vice de Dilma que já se demonstrava afastado de qualquer postura progressista, e ainda antevendo a ascensão de Jair Bolsonaro, empossado em 2019 com um governo que para muitos é de extrema-direita, voltado a um discurso militarista e moralizante.

Seu forte grau de denúncia explora as novas divisões que atualmente têm rachado o Brasil, heranças de nossas contradições históricas que sempre buscaram opor o povo ao povo – como Petra explica tão bem em belíssimas cenas do interior do Palácio presidencial. Os protestos de rua e a divisão da Esplanada dos Ministérios em barricadas afastando os grupos de direita e de esquerda que acompanhavam a votação do impeachment reforçam visualmente essa rachadura política e social. Cenas impactantes de uma realidade surpreendente, que poucos cientistas políticos ou jornalistas conseguiram prever, naquele 2013, o que nos tornaríamos: um país ruidoso, da beira do abismo ao fundo do poço. Com um tom amargo e até mesmo assustador, Petra ainda tenta, ao final, um vislumbre do futuro, mas tudo o que consegue ver é ruído.

*Esta crítica foi fruto de um trabalho colaborativo dos nossos críticos Filipe Scotti e Vinícius Volcof.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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