Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de junho de 2019

MiB – Homens de Preto (1997): carisma galático [CLÁSSICO]

Primeiro longa da franquia acerta na mosca com o tom leve e despreocupado para abordar um gênero normalmente sisudo, e com uma dupla de atores afiadas na comédia buddy cop

Em 1997, Barry Sonnenfeld (“A Família Addams”) trazia aos cinemas um inusitado filme de parceiros policiais (gênero conhecido como “buddy cop) sobre uma organização humana que supervisiona atividade alienígena na Terra. Entretanto, ao contrário do que se imagina inicialmente ao ouvir esta sinopse, não se trata de monitorar OVNIs ou possíveis pousos forçados de naves espaciais, mas sim de um departamento de imigração que basicamente funciona como uma mistura de alfândega e polícia. Levemente baseado num quadrinho de mesmo nome, “MiB – Homens de Preto” fez grande sucesso.

A abordagem cômica para esta ficção científica rendeu bons frutos, graças a um roteiro com diálogos sagazes e espirituosos, que cria situações inesperadas ao colocar a dupla principal interagindo com alienígenas de diferentes biologias e costumes. Ter um deles como o veterano experiente e outro como o novato em treinamento faz tudo funcionar muito bem, pois K (Tommy Lee Jones, “Ad Astra”, achando o tom certo ao usar sua sisudez para a comédia) é da filosofia de que o melhor treino é viver experiências na pele, levando seu novo parceiro J (Will Smith, “Aladdin”, transbordando carisma e tinindo no timing humorístico) para lidar com o desconhecido sem nenhum tipo de aviso.

A dupla de atores é a melhor coisa do filme. Não só a relação veterano/novato ajuda o roteiro a criar situações em que explicações precisam ser dadas a J, como também espelha o público no personagem de Smith, que rapidamente embarca na proposta. As recorrentes piadas sobre a inexperiência do novo parceiro de K são bem encaixadas e funcionam graças à ótima química dos atores. A cara de paspalho de Smith após a cena de interrogatório de Jeebs (Tony Shalhoub, “Carros 3”) é impagável. Sonnenfeld, que foi escolhido para o projeto após ter dirigido os dois longas de “A Família Addams” por misturar o mórbido com a comédia com muito êxito, traz sua experiência em guiar os atores nas interações certas perante o inusitado, deixando a narrativa seguir seu fluxo de brincar com o absurdo.

A aventura principal começa quando uma nave chega à Terra numa fazenda isolada, com um alienígena insectoide que logo mata o dono do lugar e usa sua pele para se locomover por aí. E aí vêm outros dois destaques. Um é Vincent D’Onofrio (da série “Demolidor”), que se aventurou em estudar o movimento de insetos e colocou equipamentos por dentro do figurino para limitar seus movimentos e, assim, caminhar de maneira esquisita, como se o ser dentro daquela pele fosse maior do que a própria e estivesse MUITO desconfortável. D’Onofrio brinca com a figura vilanesca megalomaníaca de seu antagonista e diverte na tela. O outro destaque é que a maquiagem no ator reflete o trabalho de uma lenda do cinema, Rick Baker, um dos maiores criadores de monstros e criaturas bizarras da indústria. Não só seu trabalho no visual do vilão é ótimo, como aqui ele teve a oportunidade de criar inúmeros tipos de alienígenas diferentes. Desde os com aparência humanoide a aparentes lesmas gigantes, Baker parece solto para deixar sua imaginação voar. Auxiliado pelos bons efeitos da Industrial Light & Magic, suas criações parecem vivas e palpáveis.

Há de se destacar também a ótima trilha de Danny Elfman (“Dumbo”), que cria um memorável tema usado nos outros longas da franquia. Ele se inicia nos créditos iniciais (que aliás, já são um foreshadowing do antagonista), e segue durante a trama de que há uma galáxia na Terra (sim, você leu certo) e raças alienígenas diferentes atrás dela.

Toda a premissa parece absurda e o filme se delicia com ela ao invés de tentar se levar a sério demais. Sabendo que não é uma obra profunda e solene e nem tentando se passar por uma, “MiB – Homens de Preto” consegue divertir ainda mais ao brincar abertamente com o gênero de ficção científica, muitas vezes denso e sisudo, mas aqui leve e divertido. Até seus protagonistas têm uma abordagem mais “pé no chão” de não serem heróis invencíveis ou homens passando por profundas análises psicológicas. Eles são apenas parceiros tentando executar seu trabalho da melhor maneira.

Há uma piada que permeia o longa que é a de que nunca se sabe quem pode ser alienígena, sempre pegando J (e o público) de surpresa. Ela espelha bem o que esta obra é: um filme que se passa por mais um grande blockbuster com grande orçamento e visuais incríveis, mas é na verdade uma suave e simples comédia que esbanja carisma e entende seu tom como poucos.

Bruno Passos
@passosnerds

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