Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de junho de 2019

She-Ra e as Princesas do Poder (Netflix, 2ª Temporada): o peso de relacionamentos

Temporada mais curta repete alguns erros da primeira, mas acerta em cheio ao discutir temas relevantes num ambiente de fantasia com tom certo para público mais jovem.

A segunda temporada de “She-Ra e as Princesas do Poder” traz menos episódios (sete em vez dos treze anteriores), repete alguns erros, mas melhora os acertos da primeira e continua entregando uma ótima nova abordagem que humaniza a heroína oriunda dos anos 80.

Temos aqui uma Adora concentrada em seu treinamento para aprender mais sobre seus poderes e habilidades adquiridas como She-Ra, que se tornam mais relevantes por não vir apenas por treinamento físico, mas psicológico também. Há um episódio em que ela e Ventania precisam buscar uma conexão, até então apenas mágica, que faz a protagonista ponderar mais sobre o que seu novo papel significa e é também um grande favor ao cavalo alado. Na primeira temporada, ele foi deixado de lado, mas aqui ele revela mais sobre sua personalidade e parece um personagem melhor formado. Ventania é engraçado, alegre e otimista, e a maneira como isso é apresentado resulta em excelente carisma.

Um defeito ainda presente é que as outras princesas continuam subdesenvolvidas, mesmo com personalidades distintas. Há uma indicação de explorar mais a Princesa Gélida, mas ela logo é deixada de lado. Por sua vez, a vilã Sombria ganha um capítulo só para si, ilustrando seu passado como professora de magia em uma sociedade bem diferente da Horda. Sua trajetória e motivações para o poder das trevas que possui a torna mais real como pessoa e uma antagonista bastante relevante para a trama.

O arco de Sombria também é inteligentemente usado para mostrar lados de Felina, que ilustram camadas e tons de cinza de um relacionamento tóxico. A nova capitã descobre sentimentos mal resolvidos ao mesmo tempo que aprende que gerenciar um exército é um trabalho bem mais complicado do que imaginava. Enquanto ela lida com tudo isso, Hordak se concentra em seus experimentos científicos, provando liderar apenas por poder e medo ao invés de capacidade, e sendo um artifício narrativo interessante para desenvolver a Princesa Entrapta, a mais excêntrica de todas. Sua devoção à ciência parece tomar conta de todo o seu ser, tornando-a incapaz de julgamentos morais. Há, aqui, uma oportunidade de discutir ética num nível mais simples e digerível que pode funcionar muito bem em próximas temporadas.

Esse equilíbrio entre discussões psicológicas profundas num nível mais palatável já é presente nas construções da própria Felina e de sua subordinada Scorpia. Enquanto uma está magoada por sentimentos de abandono e foge das oportunidades de se conectar com outras pessoas, a outra procura fazer de tudo para conseguir esse tipo de conexão especial. Há ainda um episódio em especial onde Scorpia troca ideais com outro personagem sobre como às vezes é difícil e necessário se desprender de certos relacionamentos.

E aqui está o grande trunfo desta temporada. Discutir a dificuldade de se criar e manter relações quando se tem grandes responsabilidades ou quando uma alma já está tão machucada por pessoas nocivas. Espelhar isso no que é revelado sobre o Arqueiro e sua família no episódio final para servir de contraste é um eficiente acerto.

Para os fãs das antigas, o quarto episódio é delicioso. Com She-Ra e seus aliados basicamente jogando RPG para preparar uma invasão a uma fortaleza da Horda. A série usa a chance de ilustrar os personagens sob a visão de cada um deles, e o Arqueiro tem perspectivas, digamos, oitentistas de todos, servindo como uma bela homenagem à obra original. Claro que o capítulo acerta ainda em ilustrar que é nas conexões saudáveis que todos conseguem êxito.

O uso do lore de She-Ra para debater sobre amadurecimento e relacionamentos positivos e tóxicos funciona como poucas séries de fantasia conseguem fazer, acertando no tom mais apropriadamente infantil a que se propõe. Com indicações de um possível universo expandido, a série pode engrandecer ainda mais sua relevância.

Bruno Passos
@passosnerds

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