Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de maio de 2019

Tudo o Que Tivemos (2018): agridoce retrato de família

Uma família disfuncional tem de lidar com o Mal de Alzheimer que acomete a matriarca enquanto seus membros encaram seus próprios problemas pessoais.

Algumas vezes, cineastas e roteiristas nascem por conta do desejo de contar uma história. Uma história específica que os movimenta mais do que a própria vontade de escrever ou dirigir. Isso acontece com Elizabeth Chomko, uma atriz que estreia no roteiro e direção com “Tudo o Que Tivemos”, produção inspirada em acontecimentos e pessoas reais de sua vida.

A força do projeto foi tamanha que a novata conseguiu unir um elenco de primeira categoria. O filme conta com a atriz vencedora de Oscar Hilary Swank (“Logan Lucky – Roubo em Família”), no papel de Bridget, uma mulher casada e com idade na casa dos 40 anos que é acordada em uma ligação por seu irmão Nick (o excelente Michael Shannon, de “A Forma da Água”) com a notícia de que a mãe deles, com um avançado caso do Mal de Alzheimer, saiu de casa sozinha durante a madrugada. Bridget viaja com sua filha Emma (Taissa Farmiga, “A Mula”) para Chicago no intuito de se encontrar com seu pai Burt (Robert Forster, “Invasão à Londres”) e ajudar nas buscas por sua mãe Ruth (Blythe Danner, “Entrando numa Fria”). A procura, no entanto, não é mais necessária, pois seus pais encontram-se bem em um hospital. Mas outras coisas surgem no caminho, como a decisão de colocar ou não a mãe em um asilo e os segredos que cada um guarda para si.

Talvez a maior verdade sobre as famílias seja que nenhuma delas é perfeita. Se for este mesmo o caso, “Tudo o Que Tivemos” fornece um belo exemplar. Não é só a mãe com Alzheimer que precisa do apoio de seus familiares, mas também o patriarca com atitudes que parecem não refletir a idade que ele tem, o casal de filhos com problemas nos seus relacionamentos e até mesmo a jovem Emma, com impasses no que se refere aos estudos. Uma boa direção de atores e um texto redondo conseguem coordenar todos esses sentimentos diversos e conflitantes que cada dos personagens em tela possuem, como em uma cena em particular na qual o septuagenário Burt discute com seus dois filhos e ao final da conversa cada um toma um rumo diferente, pois eles têm percepções diferentes da vida por conta da idade, vivências e responsabilidades que acreditam ter.

O elenco está afinadíssimo, seja com Hilary Swank no seu melhor papel em muitos anos ou Michael Shannon carrancudo e ao mesmo tempo cativante como de costume. O ponto fora da curva se dá exatamente em Ruth, a mãe da família interpretada por Blythe Danner com uma performance que beira em alguns momentos o caricatural. Contudo, isso não se faz por conta de um texto desajeitado que, muito pelo contrário, é capaz de dosar momentos emotivos e tensos com boas doses de humor. Agridoce como a vida é.

Elizabeth Chomko realiza um ótimo primeiro filme, com boa direção, acompanhada por um competente trabalho na produção, seja pelo design dos ambientes, seja pela iluminação que cria as cenas frias ou calorosas para acompanhar os diálogos certeiros, onde reside a maior força da autora. Ainda que os minutos finais soem piegas e estejam em desacordo com o que foi entregue até então, as lembranças e o sentimento que “Tudo o Que Tivemos” deixa para o público são muito positivos.

Hiago Leal
@rapadura

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