Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de maio de 2019

Game of Thones (HBO, 8ª temporada): política como vocação [SÉRIE]

Apresentando seu último ano com altos e baixos, série da HBO termina com a sensação de que poderia ter explorado melhor seus personagens tão bem construídos nos oito anos anteriores.

Considerada por muitos a maior série da atualidade, “Game of Thrones” é um marco. Primeiro pelos números em torno da produção, a começar pelo orçamento milionário despendido pela HBO, cerca de US$ 15 milhões por episódio. Outro ponto não tão discutido diz respeito a mobilização gerada pela série. Conseguir manter cerca de 18 milhões de pessoas (nos Estados Unidos) todos os domingos presas na frente da TV por mais de uma hora é louvável, ainda mais em uma época onde a distribuição de episódios por streaming se faz presente – geralmente todos de uma vez, como faz a Netflix. A HBO não mudou seu modelo, e parece ter acertado com isso. “Game of Thrones” é o melhor exemplo, especialmente agora na sua última – e polêmica – temporada.

Com apenas seis episódios, o ano final do seriado foca sua narrativa em duas histórias: no norte de Westeros temos a luta de vários povos em aliança contra os white walkers e seu líder, o Rei da Noite, que sem um motivo claro, após romper a muralha de gelo responsável por proteger os humanos, busca impor um inverno permanente. Cabe a Jon Snow (Kit Harington), proclamado Rei do Norte, enfrentar esse exército junto com seus irmãos Starks Bran (Isaac Hempstead Wright), Arya (Maisie Williams) e Sansa (Sophie Turner). Além disso, ele conta com o amor e a força do exército de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), e seus dragões como poderosos aliados nesta disputa. Mais ao sul, em Porto Real, a luta é política, mais especificamente pelo Trono de Ferro, símbolo máximo do poder nos Sete Reinos.

Alternando entre episódios focados no desenvolvimento e outros na conclusão das narrativas apresentadas nos últimos oito anos, os produtores David Benioff e D.B. Weiss acertaram em determinados pontos da história, mas também erraram bastante, principalmente ao serem obrigados a acelerarem o destino de muitos personagens, alguns cruciais, em função do número limitado de episódios disponíveis. Diversos questionamentos sobre o destino de personagens antigos, alguns mostrados na primeira temporada, não tiveram respostas, fato negativo para muitos fãs.

A fotografia vista no final da produção baseada nos livros de George R.R Martin foi um ponto positivo dada a qualidade do conteúdo entregue. Algumas cenas, com forte nível de saturação e investindo em ângulos costumeiramente vistos apenas no cinema, impressionam e ajudam a explicar a quantidade de fãs conquistada por “Game of Thrones”. Nos dois últimos episódios, “Os Sinos” e “O Trono de Ferro”, a impressão transmitida é que todo o dinheiro guardado para efeitos especiais, sobretudo para os dragões, foi gasto aqui. Um investimento bem aplicado!

Talvez, fora o episódio final, o outro mais comentado e criticado tenha sido “A Longa Noite”. Dirigido por Miguel Sapochnik – um dos diretores que melhor filmou batalhas na série – nesse capítulo foi quase impossível entender os acontecimentos na tela durante a batalha noturna em defesa de Winterfell. Mesmo sendo essa a intenção do inglês, nos deixar perdidos em cena, como os guerreiros lutando contra os mortos-vivos, foi uma experiência incômoda, atrapalhando o entendimento da narrativa.

Entre altos e baixos, “Game of Thrones” fecha seu derradeiro ano com a sensação de que seus protagonistas poderiam ter suas histórias mais bem desenvolvida. Após longos oito anos de construção de personalidades, tempo necessário para explicar formas de agir e de pensar, pareceu uma solução imediatista alguns dos destinos mostrados. Decisões como a de Daenerys no penúltimo episódio, apesar de serem justificadas por alguns atos sutis durante os momentos anteriores da série(talvez nem tão lembrados pelo público), soem estranhas e sem sentido, muito pela maneira como foi mostrada na tela, de forma intempestiva. Esse mesmo raciocínio também se aplica aos destinos de Jon Snow, Cersei (Lena Headey) e Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau).

Numa temporada com pontos questionáveis, o importante é se ater as escolhas dos criadores da série. Ao primeiro mostrar a luta mística entre seres humanos e os white walkers para só depois a batalha pelo Trono de Ferro, o recado foi claro: “Game of Thrones” é sobre política escorada na fantasia presente no mundo místico de Westeros. Neste cenário, Tyrion Lannister se mostra o ser mais inteligente durante toda a Guerra dos Tronos. Peter Dinklage interpreta um dos papéis mais perspicazes já vistos na TV. Forte candidato ao Emmy e Globo de Ouro durante a época de premiações.

O final agridoce de “Game of Thrones”, focado na quebra de estruturas antigas, em manter salvo o registro histórico desse vasto mundo e ao mesmo tempo em renovar todo esse sistema, revela um aparente paradoxo, mostrando que a roda na qual o sistema se move – a mesma que Daenerys gostaria de quebrar – não deve ser destruída, mas mantida com constantes melhorias. A roda gira, mas no final tudo volta a ser quase como era antes. Essa foi a última mensagem de “Game of Thrones”, uma mensagem útil tanto para a ficção quanto para nosso mundo real. Talvez aí esteja o principal motivo das críticas ao seu encerramento.

Filipe Scotti
@filipescotti

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