Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de maio de 2019

Gente Que Vai e Volta (Netflix, 2019): família meio louca

Comédia romântica espanhola conta a história de desilusão amorosa e recomeço no interior junto à família. Apesar de abusar do senso comum, o filme diverte.

A vida na cidade grande é constituída por desafios constantes responsáveis por moldar o caráter daqueles que nela vivem, exigindo perseverança e dedicação de quem busca sucesso em um oceano repleto de competidores qualificados. Para os vindos do interior, se adaptar a essa vida competitiva não é fácil, principalmente ao ter que adaptar seu modo de vida e suas ideias para esse novo jeito de viver, marcado pela pressão constante. Só os mais fortes sobrevivem. Nesta comédia romântica espanhola produzida pela Netflix,Gente Que Vai e Volta”, vemos na vida da jovem Bea (Clara Lago, “O Passageiro”) os contrastes entre o cotidiano em uma metrópole e a convivência com sua disfuncional família no interior da Espanha. Tudo isso tendo como pano de fundo um conto de amor marcado por idas e vindas e indecisões da protagonista.

Estabelecendo os pontos iniciais da sua história, vemos como foi a infância de Bea na cidade de Santa Clara com seus parentes nada comuns, constituídos pela mãe Ángela (Carmen Maura, “Queridos Fotogramas”), uma médica que atende em casa e cobra suas consultas com alimentos, um pai marinheiro nunca presente e mais duas irmãs e um irmão mais novo. Nesta fase, descobrimos a vocação de Bea para a arquitetura, sonho realizado e mostrado logo na cena seguinte quando a acompanhamos, já adulta, trabalhando em um grande escritório com seu namorado Víctor (Fernando Guallar, “Postcards”) em uma vasta cidade da Espanha. Após uma brincadeira em uma festa, Bea vê seu namorado nos braços da famosa jornalista Rebecca Ramos (Marta Belmonte, “Asmodexia”). Revoltada, ela perde o emprego após surtar em uma importante reunião e decide dar um tempo em seu relacionamento. Sem rumo, ela volta para a casa da sua família no interior para tentar colocar as ideias em ordem sobre os próximos passos da sua vida.

Mesmo investindo em uma típica história de amor no interior, “Gente Que Vai e Volta” usa de um roteiro leve, balanceando bem entre a comédia, o romance e um pouco de drama. Além disso, ao contar a aventura de um clã nada conservador, uma clara ambiguidade em se tratando da rigidez comum no interior, a narrativa se torna mais divertida e interessante. A irmã mais velha da protagonista, Irene (Alexandra Jiménez, da série “The Affair”), é a prefeita de Santa Clara e, seguindo uma linha política de esquerda, luta para conseguir instalar uma usina de biomassa na cidade com a promessa de gerar novos empregos. O irmão mais novo, Léon (Carlos Cuevas, da série “Merlí”), é gay assumido e tem um romance com um policial da cidade. Até a terceira irmã da família, que aparenta ser uma típica dona de casa com um filho recém-nascido, esconde um hilariante segredo. Em volta de todos esses personagens com seus dramas pessoais, encontra-se a figura da matriarca da casa sempre motivada e alegre, fazendo de tudo para passar essa mesma sensação para seus filhos, mesmo em meio a uma péssima notícia sobre a sua saúde. Como toda mãe, Ángela oferece conselhos essenciais para a vida dos filhos, inclusive sendo de grande importância no final da história.

Focando sua narrativa em recomeços, na menina do interior retornando da cidade grande para tentar se encontrar, um relato comum nesse tipo de produção, o envolvimento amoroso de Bea com o empresário e viúvo Diego (Álex García, “A Culpa não é do Carma”), iniciado em um bar, se fortalece quando a arquiteta é contratada por ele para construir uma casa na árvore para sua filha. Mesmo sendo quase óbvio, esse romance é contado de modo divertido com boas cenas, mas apresenta um final abrupto, quebrando a narrativa estabelecida até então. Um dos motivos para isso ocorre em função do pouco tempo do filme, cerca de uma hora e meia, o que acaba prejudicando sua parte final, contada em ritmo muito acelerado e desconexo em alguns pontos.

Mesmo tendo um desfecho previsível, a boa condução da história, aliada a algumas reviravoltas, ajudam a tornar o filme interessante, um relato sem grandes pretensões, mas divertido na medida certa. Uma boa escolha da Netflix para aumentar seu vasto catálogo com os mais diferentes tipos de produção. A lição transmitida por “Gente Que Vai e Volta” é que não importa onde se esteja, ou com quem, a família será sempre o mais importante. Mesmo quando ela é meio louca, o essencial é estar todos unidos.

Filipe Scotti
@filipescotti

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