Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de maio de 2019

Pelo Amor de Spock (2016): vida longa e próspera para todos

Com um documentário bastante pessoal, o diretor Adam Nimoy busca reconciliação e presta tributo à carreira de seu pai, Leonard Nimoy, e a um dos personagens mais icônicos de todos os tempos.

Um projeto que inicialmente buscava discorrer sobre Spock, o alienígena vulcano aparentemente sem emoção e movido pela lógica da saga “Jornada nas Estrelas” (também conhecida como “Star Trek”), “Pelo Amor de Spock” é um documentário originalmente idealizado por Adam Nimoy e seu pai, Leonard Nimoy, que trouxe à vida um dos maiores personagens da cultura pop. Com o falecimento do ator, Adam ampliou o escopo da obra para abranger e homenagear a vida e a carreira de seu progenitor.

O trabalho de Leonard é vivo no filme, com o próprio narrando amplos trechos que ficam mais ricos por ter o próprio comentando sobre pontos-chave em sua vida e carreira. Do jovem ator que se mudou para Los Angeles para investir no trabalho e aceitava qualquer tipo de emprego para sustentar a família (sorveteiro, taxista e muitos mais) ao sucesso financeiro que veio com o icônico personagem, os comentários de L. Nimoy em si enriquecem a imersão e o peso de cada momento.

Outro elemento que engrandece não só Nimoy como ator, mas também o documentário em relevância é o fato de ter tanta gente que trabalhou com a falecida estrela dando depoimentos. De executivos a membros da Enterprise da época da série original e do reboot capitaneado por J. J. Abrams, as histórias que envolvem Leonard e suas características e ensinamentos são cativantes. De elogios a seu comprometimento com o trabalho, passando por seu sucesso como diretor e chegando até em William Shatner, o eterno Capitão Kirk, tirando um sarro (respeitoso) de sua carreira como cantor (ah, a breguice mágica de “The Ballad of Bilbo Baggins”), o longa pinta um detalhado retrato do profissional dedicado e inteligente que inspirou inúmeros colegas ao longo dos anos.

Há outros elementos que tornam o documentário mais do que interessante e nostálgico, fazendo dele uma obra verdadeiramente tocante. O primeiro é a inspiração que Spock levou a tantos fãs, que se sentiram representados por ele. Em “Jornada nas Estrelas”, o fato de ser metade humano e metade vulcano o deixava deslocado. Sua personalidade era a que mais se distinguia dos outros tripulantes e o alienígena se encontrava em diversas situações onde era julgado pelos outros, mesmo sem más intenções. Muitos fãs que se sentiam isolados de suas comunidades encontraram em Spock um espelho deles próprios, além de uma figura que os motivava a se manterem firmes, bons, gentis e confiantes. Adam Nimoy inteligentemente mescla a cultura de convenções que nasceu com a série a entrevistas com fãs agradecidos pelo personagem e saudosos do mesmo. São pessoas que encontraram apoio psicológico e até mesmo foram encorajadas a buscar a verdade por meio da ciência, aqui outro acerto da direção ao trazer cientistas da NASA e até mesmo o famoso astrofísico Neil DeGrasse Tyson. Por meio de variados depoimentos percebe-se a importância da figura de Spock, que vai muito além de ser apenas um rosto conhecido, provando como a arte, mesmo com uma roupagem pop, é dotada de grande poder humano e impulsiona indivíduos a melhorar, e consequentemente, a sociedade como um todo.

O segundo elemento que deixa essa obra carregada de sentimentos é a relação conturbada que Leonard e Adam Nimoy tiveram ao longo dos anos. Adam claramente tocou esse projeto como uma forma de achar paz com as brigas que teve com o pai. Workaholic e ausente, Leonard se lançava com dedicação ferrenha ao trabalho. Adam não tem receio de tocar no assunto do problema do pai com o álcool e do seu próprio com drogas, de discorrer sobre períodos em que mal se falavam e de como ambos, nesta obra, mais maduros e serenos após os anos de vida, parecem buscar deixar o passado no passado. Há uma camada melancólica que permeia a obra nesses momentos catárticos para os familiares. Com uma bela leveza, Adam lê uma carta escrita a ele pelo pai numa época quando sua relação estava particularmente difícil. A leitura aparece em momentos-chave, aumentando o peso dramático do longa, que culmina num ritual de despedida para Leonard Nimoy e Spock digno para o adeus de um grande herói.

“Pelo Amor de Spock” é um documentário que consegue, com muito êxito e emoção, prestar homenagem ao alienígena do título. Informativo, curioso, tocante e singelamente pessoal, é um ótimo tributo a um grande ator e a um incrível personagem, que inspiraram e continuarão a inspirar seus fãs a viverem vidas longas e prósperas.

Bruno Passos
@passosnerds

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