Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 15 de maio de 2019

O Sol Também é Uma Estrela (2019): adaptação honesta e fora do habitual

A obra adaptada do livro homônimo encara o desafio de construir a paixão quase instantânea entre dois imigrantes numa trama sobre aceitar o destino.

O Sol Também é Uma Estrela” é uma co-produção entre os estúdios Warner Bros. e MGM baseada no livro homônimo de Nicola Yoon lançado em 2016. Ela descreve o encontro de dois jovens moradores de Nova York que se conhecem e se apaixonam no mesmo dia, mas o mesmo destino que os uniu está prestes a separá-los. A diretora Ry Russo-Young (“Antes Que Eu Vá”) tem a responsabilidade de adaptar para os cinemas uma história já conhecida por um público jovem, que fez a obra encabeçar a lista das mais vendidas em diversos países e certamente traz grandes expectativas de ver seus queridos personagens na telona.

Natasha Kingsley (Yara Shahidi, da série “Black-ish”) resiste ao fato de ter que abandonar o país que a acolheu por nove anos. Sua família jamaicana tem ordem de deportação e precisa deixar os Estados Unidos no dia seguinte, entretanto, a adolescente ainda tem esperança de que alguém vai ajudá-los. Esse alguém não é exatamente Daniel Bae (Charles Melton, da série “Riverdale”), o jovem coreano que cruza o caminho de Natasha rumo a uma entrevista para a faculdade de medicina, mas o romântico poeta não tem dúvidas que o encontro deles é obra do destino e propõe a chance de fazê-la se apaixonar por ele no decorrer de um dia.

Os fãs do livro podem esperar pequenas diferenças no roteiro adaptado por Tracy Oliver (“Viagem das Garotas”), mas a essência dos protagonistas e a estrutura narrativa permanecem. Esta última inclui monólogos narrados pelos atores entre as sequências/capítulos, que são grandes clichês do gênero, porém, aqui servem mais como apresentações dos temas do filme por trás do romance do que como atalhos para a psique dos personagens. Nessas montagens fala-se sobre a relação dos dois e suas famílias com a cidade de Nova York e, é claro, sobre destino versus coincidências e amor versus ciência. A propósito, muito se fala dessa dicotomia entre as personalidades opostas do casal, mas os conflitos que nascem dessa característica são escassos.

O encontro casual de dois jovens de culturas diferentes que usam o pouco tempo que têm para andarem juntos por uma cidade não é inédito. Em 1995, o cinema viu o charmosíssimo “Antes do Amanhecer” de Richard Linklater em que um americano e uma francesa passam juntos suas últimas horas de viagem em Viena. Em “O Sol Também é Uma Estrela”, o palco da história é Nova York, embora evite as partes manjadas da cidade. O filme dá preferência a áreas e bairros não tão conhecidos que estão no caminho do casal, o que acaba sendo uma metáfora oportuna para as origens excepcionais dos protagonistas que também não são vistas com frequência no cinema. Ambos são imigrantes de países e raças distintas e que compartilham o amor à “terra dos livres”. A câmera acompanha os dois pela cidade trabalhando a beleza dos atores e da paisagem uniformemente lembrando até o clima de “Se a Rua Beale Falasse” de Barry Jenkins, só que sem a fotografia inspirada.

Falando em clima, o longa preferiu recortar alguns temas abordados pelo livro para se concentrar no romance, mas esbarra no carisma limitado do elenco. Quando as cenas pedem um pouco mais de cuidado ou emoção, Shahidi e Melton têm dificuldade para entregar e a morna direção também não os ajuda. Fora que a insistência de Daniel para convencer Natasha algumas vezes beira o assédio e a importunação. A montagem é que parece salvar uma execução mediana e, mesmo para quem não conhece o material original, fica a impressão de que a história de amor está melhor contada nas páginas do que nas telas.

Por mais que a narrativa peça permissão para abusar das coincidências na trajetória dos protagonistas, há muitos encaixes convenientes para terminar a trama, que de tão simples talvez coubesse até num palco de teatro. Muitas sequências são costuradas por momentos musicais, outro grande clichê consagrado nesse tipo de filme, mas pelo menos elas não se apoiam na trilha para garantir ritmo. Pelo resultado apresentado, o longa é uma adaptação honesta e de certa forma inédita por apresentar personagens distintos do habitual e em raros ângulos de Nova York. O roteiro escolhe bem os temas a apresentar, porém, o drama perde a força com as decisões de elenco/direção e um corrido desfecho. Da mesma forma que a mensagem central fala sobre estar suscetível ao destino, espera-se que o público esteja de coração aberto a essa singela adaptação para então poder comprar a história e até, de repente, conseguir se emocionar.

William Sousa
@williamsousa

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