Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de maio de 2019

O Mundo Sombrio de Sabrina (Netflix, 2ª Temporada): poder corrompe

Segunda temporada retorna com o ótimo elenco e uma trama que busca explorar a importância de liberdade e respeito, além de discorrer sobre os efeitos do controle exacerbado na sociedade.

O universo de “O Mundo Sombrio de Sabrina” pegou muita gente de surpresa, principalmente aqueles que lembram da antiga série com a mesma personagem que tinha uma abordagem bem mais simples e ingênua. Esta adaptação da Netflix com alta classificação indicativa traz discussões importantes com abordagens mais maduras sobre livre-arbítrio e identidade.

O pôster da segunda temporada levantou suspeitas de que a série poderia cair num bobo triângulo amoroso adolescente, mas não é o que acontece. Sabrina (Kiernan Shipka, “O Silêncio”) e Nick (Gavin Leatherwood, da série “My Dead Ex“) acabam sendo um casal mais interessante do que ela e Harvey (Ross Lynch, “Status Update: Perfil dos Sonhos”), que segue seu caminho e cresce como personagem, embora tenha pouco espaço.

Continuando com sua proposta de discutir liberdades individuais, a série abre espaço para uma trama ainda mais rica, que explora melhor a sociedade bruxa da Igreja da Noite, colocando sua protagonista para bater de frente com o Sumo Sacerdote Blackwood (Richard Coyle, “Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo”). A fachada de livre-arbítrio prometida por ele começa a cair por terra quando ele desenvolve uma sociedade secreta que busca basicamente dar um golpe de estado para implementar preceitos dogmáticos ultrapassados. Tais preceitos colocam homens em posição de poder e relegam mulheres para afazeres domésticos e magias, nas palavras dele, “mais femininas”, como botânica e fertilidade. Esse arco é espelhado em uma das tias de Sabrina, Zelda (Miranda Otto, “O Silêncio”). Recém-casada com Blackwood, ela se vê repentinamente presa a um relacionamento com um homem de cargo alto que se revela abusivo e que não demonstra o menor remorso em se valer de meios escusos para controlá-la.

A temporada segue discorrendo sobre relacionamentos abusivos ao dar mais camadas à Srta. Wardwell (Michelle Gomez, da série “Doctor Who”), que teve um texto que não só melhorou suas falas como também permitiu que a atriz explorasse elementos do psicológico de sua personagem que a enriquecem como ser complexo. Sua relação com o Senhor das Trevas é um espelho doloroso para quem se vê preso numa relação nociva. É uma pena que não tenha mais tempo de tela.

A temporada investe ainda mais em seu discurso de liberdade e respeito com o arco de Susie Putnam, agora Theo Putnam (Lachlan Watson). O próprio ator é não-binário e interpreta esse papel com um carinho palpável, deixando claro que tudo o que pessoas trans querem é estar bem consigo mesmas, abraçando seu eu interior com todo o amor que merecem. Há momentos especiais aqui, como uma cena em que seu pai o leva para cortar cabelo.

Sabrina em si mergulha mais na sociedade bruxa, mas sem deixar de interagir com a humana, criando conflitos dentro de si que não são facilmente resolvíveis. Suas decisões têm peso e consequências e tanto ela quanto outros se veem lidando com tudo, mostrando um universo cheio de camadas com personagens felizmente complexos. A temporada, entretanto, não explora bem os conflitos de Rosalind (Jaz Sinclair, “Uma Noite de Loucuras”), que parecem resolvidos de maneira apressada e servir apenas para a trama geral seguir em frente.

“O Mundo Sombrio de Sabrina” é, de fato, sombrio. Fugindo de abordagens simplórias comuns a tantas obras com temática adolescente, a segunda temporada engrandece esse universo ao propor discussões de respeito e liberdade que podem fazer uma sociedade evoluir. O que a série precisa tomar cuidado daqui para frente é com o número de personagens. Com tantos arcos, alguns acabam apressados ou deixados de lado. De qualquer forma, é inegável que é uma obra interessante e que mira numa abordagem madura.

Bruno Passos
@passosnerds

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