Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 10 de maio de 2019

Anos 90 (2018): homenagem aos anos 1990

Jonah Hill causa uma boa impressão em seu primeiro filme como diretor, apostando na autenticidade de seus personagens e em uma abordagem nostálgica dos anos 1990.

A estreia na direção de Jonah Hill, que também escreve o roteiro, tem potencial. O ator até pouco tempo atrás lembrado apenas por comédias adolescentes de personagens imaturos (como “Superbad – É hoje”), vem se reinventando com papeis sérios e densos (como na série “Maniac”) até se colocar no desafio atrás das câmeras. “Anos 90” se mostra uma homenagem nostálgica aos anos 1990 e uma encarnação do estilo visual do mesmo período através de uma história simples e eficiente.

Mesmo se situando na década mencionada, a trama é atemporal e universal por abordar a trajetória de amadurecimento, a busca pelo sentimento de pertencimento a um grupo e a descoberta da vida com seus prazeres e dificuldades de um menino de 13 anos. Stevie (Sunny Suljic, “O Mistério do Relógio na Parede”) é o protagonista que não se sente confortável em um lar onde a mãe Dabney (Katherine Waterston, “Animais Fantásticos e Onde Habitam”) é distante e o irmão mais velho Ian (Lucas Hedges, “O Retorno de Ben”), violento. A vida dele encontra um novo rumo quando ele se aproxima de um grupo de adolescentes skatistas na periferia de Los Angeles, com quem poderá vivenciar momentos valiosos para sua formação pessoal.

Na abertura, a infelicidade e a solidão de Stevie com a ausência de um lugar próprio em sua casa são logo transmitidas. Ele vive com a mãe mais preocupada em relatar seus interesses amorosos aos filhos ou em se relacionar com diferentes homens, como visto na cena em que comemoram o aniversário de Ian e ela apenas fala de seus relacionamentos, e com o irmão que o agride constantemente. Apesar disso, há um sentimento de admiração pelo irmão mais velho sufocado pela violência, como ocorre na sequência em que jump cuts alternam entre os créditos iniciais e o menino observando invejosamente os pertences do irmão em seu quarto.  Nesses segmentos, a câmera é impessoal e tem uma abordagem crua, sendo posicionada distante dos personagens (na primeira agressão, a câmera enquadra apenas o corredor onde acontece a cena) e preenchida por uma paleta de cores escura e nada acalentadora.

Em virtude das condições familiares, o protagonista vê o grupo de skatistas como uma possibilidade de se sentir parte de algo. A amizade entre eles se forma e Stevie passa a conviver com Ray (Na-kel Smith), “Fuckshit” (Olan Prenatt), “Fourth Grade” (Ryder McLaughlin) e Ruben (Gio Galicia), todos os quatro interpretados por atores estreantes, passando por situações típicas da pré-adolescência: se divertir andando de skate, conversar sobre piadas infantis e assuntos banais, interagir entre eles como se fosse um malandro esperto, começar a consumir drogas e álcool e vivenciar a primeira experiência sexual. Tais momentos são filmados com o realismo de uma câmera que passeia próxima aos personagens e aos cenários e retrata a autenticidade de jovens ainda imaturos, que provocam os pais e mães uns dos outros e consideram muitos agradecimentos indignos da masculinidade idealizada.

Jonah Hill vai além do simples retrato dos skatistas como inconsequentes sem entendimento da vida ao conferir a eles camadas mais profundas. Ruben, “Fourth Grade” e “Fuckshit” parecem ser valentões, intelectualmente limitados ou brincalhões despreocupados com qualquer seriedade. Porém, Stevie e Ray se distanciam dessa imagem: o protagonista, inicialmente, tem a doçura de uma criança que se transforma na dor pela falta de um lugar no mundo e na raiva de quem não se acostuma às dificuldades de sua vida; já seu amigo se comporta como o líder do grupo que vê a necessidade de encontrar outras opções para seu futuro e estimular os amigos a fazer o mesmo, visto na cena em que conversam sobre o que podem fazer com suas vidas e que o faz criticar “Fuckshit” pela falta de planejamento.

A própria dinâmica dos jovens ressalta os diferentes elementos de suas personalidades. Todas as sequências em que estão juntos convencem no companheirismo formado e na diversão sentida a partir de suas amizades e interações. Em outros instantes, a camaradagem é demonstrada silenciosamente, como quando Ray conversa com Stevie sobre a sensação de que nossas dores são enganosamente maiores que as dores de outras pessoas e quando todos se reúnem na última sequência do filme. O diretor reforça o companheirismo dos personagens através do formato geral do quadro, quadrado e com uma razão de aspecto 1:33, que remete à perspectiva subjetiva daqueles jovens, da mudança desse mesmo formato na cena final com o mesmo objetivo narrativo e da sequência de jump cuts na cena da festa.

O roteiro do filme trata bem seus personagens e o universo narrativo passado na década de 1990, porém não faz o mesmo com os conflitos que lança em tela. A ausência da mãe e a agressividade do irmão são temas inseridos sem maiores desenvolvimentos e conclusão, o que torna tais aspectos unidimensionais e abaixo das outras características da trama. Ainda com os defeitos citados, “Anos 90” é uma experiência prazerosa de se assistir, que indica o potencial de Jonah Hill na nova função e a sensibilidade de utilizar suas próprias origens pessoais nos anos 1990 como base para uma história envolvente.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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