Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 29 de abril de 2019

Alguém Especial (Netflix, 2019): saudáveis despedidas

Feminista e autossuficiente, "Alguém Especial" reafirma a mensagem sobre se amar em primeiro lugar.

A Netflix inaugurou seu estilo próprio de fazer comédias românticas, sempre bebendo da principal fonte que é o auge do gênero nos anos 90, mas trazendo uma cara própria que costuma ser ancorada em duas vertentes principais: o fim dos relacionamentos e a perspectiva feminina. O primeiro desconstrói totalmente a visão romântica de conto de fadas em uma relação, já o segundo é extremamente importante pois, ao refletir a complexidade humana, felizmente as mulheres estão tendo mais espaço. Em “Alguém Especial”, a produção junta a interação entre um trio feminino e o término do relacionamento de Jenny (Gina Rodriguez, a estrela da série “Jane The Virgin”), uma jornalista musical de Nova York que recebe uma oportunidade de emprego para trabalhar na revista Rolling Stone em São Francisco, Califórnia.

Devido à distância, seu relacionamento com Nate (LaKeith Stanfield, da série “Atlanta”) chega ao fim e cabe à Jenny e suas amigas arrumarem um forma de superar algo que durou nove anos. Lidando com términos difíceis, é interessante notar que o filme da estreante Jennifer Kaytin Robinson não foca apenas na protagonista, mas também em suas colegas, mesmo que em menor escala. Erin (DeWanda Wise, da série “She’s Gotta Have It”) é lésbica e tem dificuldades em assumir um compromisso, enquanto Blair (Brittany Snow, “Pitch Perfect – A Escolha Perfeita”) vive sufocada numa relação “perfeita”. A obra trabalha com dilemas que desconstroem os padrões heteronormativos impostos em várias comédias masculinas e agora parecem de fato ganhar o merecido destaque.

Sendo assim, o filme tem uma pegada parecida com as de outras duas produções da Netflix, como o clima de festa e farra de “Ibiza – Tudo Pelo DJ”, e as dificuldades em encontrar o amor próprio da comédia peruana “Como Superar um Fora”. A diferença está no bom trabalho de direção de Robinson que utiliza a cidade de Nova York como cartão postal. Tendo como ambiente predominante uma festa chamada “Neon Classic” (a mesma em que o casal de personagens se viu pela primeira vez), a iluminação brinca bastante com as cores, principalmente nas cenas de flashback, fazendo um contraste com a tristeza de Jenny. Cada rua, esquina ou calçada que seja, lembra o seu ex e com a ajuda de uma boa trilha sonora vemos que a relação era bastante intensa, mas nunca abusiva.

O roteiro, que também é de Robinson, é maduro e cercado de cenas íntimas e pessoais entre as amigas. A falha do texto está nas piadas, que por mais irônicas e referenciais que sejam, não surtem o efeito primordial de fazer rir, principalmente naquelas que envolvem drogas (o mesmo humor da “escola Seth Rogen”). O carisma de Gina Rodriguez segura a produção quando a mesma ameaça cair em qualidade, além de se destacar muito bem no drama ao insistir naquilo que sabe que não vai dar certo, fazendo com que sua personagem passe por um processo doloroso de amadurecimento e um sentimento de dever cumprido cercado de “boas tristezas”.

Com uma atmosfera particular, “Alguém Especial” é mais do que tudo um filme sobre independência, seja ela financeira, amorosa ou pessoal. Honesto em sua proposta, talvez o roteiro não seja dos melhores e mais profundos já vistos em filmes do gênero, mas acerta na estética e na condução de seus personagens.

Tiago Soares
@rapadura

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