Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de abril de 2019

Homecoming (Netflix, 2019): fazendo jus à majestade

Longa traz uma mescla das duas memoráveis apresentações de Beyoncé no festival Coachella em 2018, resultando num filme empolgante que transborda majestade e representatividade temperadas com ótima música pop.

Em 2017, Beyoncé estava escalada para ser headliner no festival de música Coachella, mas uma inesperada gravidez fez com que ela tivesse que adiar o compromisso para o ano seguinte. Determinada a trazer uma mensagem de representatividade e respeito junto com um show memorável, ela se lançou num árduo processo de recuperação física para produzir o evento, que foi filmado e transformado em “Homecoming”, filme dirigido por ela mesma e lançado pela Netflix.

Antes de mais nada, é necessário afirmar que o longa é um documentário do estilo concert film, onde grande parte do tempo de projeção é tomada por cenas do show em si, intercaladas por alguns momentos de bastidores e preparação. Mesmo assim, qualquer pequeno vislumbre da artista em momentos pessoais chama a atenção, considerando que ela não é de dar entrevistas e preserva muito sua vida particular.

O título “Homecoming” representa uma tradição norte-americana onde uma instituição de ensino promove eventos para receber e homenagear antigos alunos. São eventos onde é comum haver festas, danças e jogos esportivos, quase sempre com shows das bandas marciais desses lugares. Esses grupos musicais são formados por diversos músicos tocando variados tipos de instrumentos enquanto executam coreografias. Instrumentos de sopro e percussão são predominantes e usados em apresentações animadas.

Outro importante elemento da composição artística dessa apresentação são as Universidades Historicamente Negras (Historically Black Colleges and Universities – HBCU). Criadas na época da grande segregação racial nos Estados Unidos, as instituições pertencentes às HBCU oferecem ensino superior à população afro-americana. Beyoncé combinou esses elementos num espetáculo cheio de energia e imponentes símbolos de representatividade.

O show em si é incrível. O palco possui uma arquibancada em forma de pirâmide, onde ficam mais de 200 pessoas entre músicos e dançarinos. Todos participam das coreografias e elas são tão bem montadas e executadas que é impossível não se empolgar com tanto movimento e fluidez. Mesmo que você não seja fã do estilo musical de Beyoncé, o espetáculo é envolvente e gostoso de assistir. A banda marcial (composta por ex-alunos de diferentes HBCU) imprime uma energia às canções que levantou o público presente e sem dúvidas deve empolgar o espectador no sofá.

Os momentos que intercalam o show com ensaios e bastidores são interessantes e possuem algumas escolhas estéticas curiosas. Umas que funcionam, como a de misturar narração em off da protagonista com imagens que pareceram filmadas por antigas câmeras caseiras, com granulação e fitas aparentemente gastas; outras confusas, como o fato da voz da artista enquanto narradora estar filtrada eletronicamente sem objetivo claro para essa escolha. Pode-se argumentar também que as vozes dos depoimentos estão muito baixas, mas a legenda ajuda nessas horas.

Mesmo assim, são trechos que cativam, principalmente no qual ela revela a preparação física extenuante pela qual passou. Após uma gravidez de risco e uma cesárea de emergência, ela precisou remendar músculos que foram cortados na cirurgia, perder o peso ganho na gestação dos gêmeos e entrar numa rotina de exercícios para ter um preparo físico digno de qualquer atleta campeã olímpica. Junte a isso cuidar da filha de seis anos, dos bebês, preparar o show meticulosamente e você tem uma mulher que experimentou níveis de estresse conhecidos por poucos. São momentos pessoais que a humanizam e que cativam o público, mas que poderiam ter sido ainda mais eficientes narrativamente com exemplos visuais, pois muito é dito e pouco é mostrado. Embora seja fácil sentir empatia pelo que ela passou, não sofremos junto com ela pela falta de ilustração das consequências difíceis dessa luta. O foco acaba ficando no resultado ao invés da jornada. Entretanto, isso não tira muito de “Homecoming”, já que o produto final é absolutamente fabuloso.

No Coachella, foram duas apresentações, facilmente identificáveis no longa pelas cores usadas nos figurinos (amarela em um dia, rosa no outro), mas habilmente mescladas pela montagem do filme, que acaba fazendo a troca de cores parecer mágica. Ambas tiveram as mesmas músicas, que abrangem vários momentos da carreira da cantora numa longa performance que conquistou o público. Convidados especiais como Jay-Z, Kelly Rowland e Michelle Williams (as duas ex-membras do grupo Destiny’s Child) ajudam a abrilhantar o já fantástico show, que conta também com elementos visuais e sonoros de importantes figuras históricas que lutaram por igualdade e empoderamento das minorias.

“Homecoming” pode não ser um marco de linguagem documental cinematográfica, mas é um registro de um espetáculo magnífico, empolgante e importante. Beyoncé se mostra uma artista ainda mais completa ao ter belo êxito em montar um show histórica e culturalmente rico mesclado com música pop de alta qualidade e coreografias exaltantes que alegram o coração.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe

Saiba mais sobre