Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 24 de abril de 2019

Vizinhos Nada Secretos (2016): vida difícil no subúrbio

Ao assumir o gênero da comédia, o filme diverte ao mostrar as dificuldades de experientes espiões em missão no subúrbio de uma típica cidade americana.

A Segunda Guerra Mundial foi um evento dramático, afetando de forma impactante o mundo de hoje. Mas o que esse grandioso evento tem a ver com um filme sobre vizinhos espiões? Tudo! Vamos aos fatos: a vitória dos Estados Unidos na contenda possibilitou o desenvolvimento econômico do país de maneira estável durante décadas, transformando os americanos na nação mais poderosa do mundo. Como consequência todo esse crescimento formou uma massa de cidadãos prósperos com boa condição de vida, aptos para consumir muito, seja comprando carros, casas ou levando seus filhos para universidades de qualidade. Com a possibilidade de financiamento a longo prazo, com juros baixos, por que não comprar uma casa ou um carro melhor? As melhores casas, grandes e confortáveis, podiam ser encontradas em regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos, os subúrbios, e com a compra do tão sonhado carro, o deslocamento casa-trabalho poderia ser feito em grandes distâncias sem problemas. É usando como pano de fundo o cotidiano em um típico bairro americano, formado por famílias próximas, grande parte constituída por pessoas relativamente bem-sucedidas, que “Vizinhos Nada Secretos” conta a divertida história da chegada de um novo casal a uma rua até então tranquila, tediosa na maior parte das vezes, e acaba agitando a rotina de todos.

No ambiente calmo de uma rua sem saída, os Gaffneys viviam sua vida de maneira monótona. Jeff (Zach Galifianakis, “Uma Dobra no Tempo”) trabalha no setor de recursos humanos da MBI, uma misteriosa empresa responsável por empregar grande parte dos seus amigos de vizinhança, enquanto sua esposa Karen (Isla Fischer, “Te Peguei!”) exerce a profissão de decoradora de mictórios, mas parece não estar muito feliz com sua rotina de pouca agitação. Toda essa tranquilidade acaba quando os Jones se mudam para a casa ao lado e acabam levantado muitas suspeitas pelo seu modo de viver perfeito, difícil de assimilar em um relacionamento real. Lindos e com carreiras exóticas, Tim (John Hamm, “Maus Momentos no Hotel Royale”) e Natalie (Gal Gadot, “Mulher Maravilha”) causam inveja pelo amor exibido em público, nunca brigando entre si, e por estarem sempre compartilhando um estilo de vida difícil para qualquer um conquistar.

Ao contrário de Jeff, convencido de cara pela ideia de ter novos e descolados vizinhos, Karen não se contenta e sai atrás de respostas. As consegue quando invade a casa dos Jones com seu marido e descobre que eles realmente são agentes secretos em alguma missão envolvendo Jeff e seu cargo no departamento pessoal da misteriosa MBI. A partir dessa revelação, o que deveria ser mais um filme comum de comédia envolvendo espiões se transforma em uma história com explosões, viradas e diversão.

O principal mérito da produção dirigida por Greg Mottola (“Superbad: É Hoje”) foi conseguir criar ambiguidade entre as vidas do casal monótono versus o casal dinâmico e aventureiro. Os Gaffneys passam a questionar seu modo de viver tedioso, típico do subúrbio americano, ao ver a vida diferente dos Jones. Ao mesmo tempo, também ocorre uma troca de experiências entre os pares, com Jeff (um Zach Galifianakis em atuação apagada, sem parecer o mesmo ator da trilogia “Se Beber, Não Case!”) indo com Tim a um restaurante exótico, ou Natalie e Karen provando lingeries e falando sobre suas vidas sexuais.

As viradas de roteiro apresentadas ao decorrer do longa tornam a produção atraente já que esses momentos são bem executados pelo ótimo elenco no papel dos casais protagonistas. Outros personagens também dão consistência a produção, como o vizinho, também funcionário da MBI, Dan Craverston (Matt Walsh, “O Date Perfeito”) e o traficante Scorpion (Patton Oswalt, “O Círculo”). As explosões e as cenas de ação convencem, mas são insuficientes em alguns momentos por parecerem pirotécnicas demais, nada que atrapalhe a execução da história.

Usando como base a contradição, principalmente o embate entre o mundo real versus o mundo dos espiões, “Vizinhos Nada Secretos” acerta em cheio em sua premissa. Sem querer ser um filme de ação, e sim de comédia sobre agentes secretos, o longa diverte e ainda consegue envolver seu público na história. Como mostrado no começo deste texto, o desenvolvimento do subúrbio quase como uma instituição americana levou algumas décadas para se estabelecer. Para os recém-chegados Jones, a vida suburbana pode ser bem difícil, até para os melhores espiões.

Filipe Scotti
@filipescotti

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