Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 06 de maio de 2019

After (2019): romance amador feito para jovens fãs

A adaptação literária atinge os mínimos requisitos e só agrada quem já não tem expectativas muito altas para o longa.

Há público para todo tipo de filme. Isso significa que há quem encontre entretenimento até mesmo nas piores obras, o famoso “prazer culposo”, e não há nenhuma falha de caráter nisso. Quando se trata de livros e o leitor está sedento para consumir um tipo de história, a saída é escrever você mesmo. O resultado disso, conhecido como “fanfic”, foi o que gerou o romance “After” de Anna Todd, lançado em 2014 e finalmente adaptado aos cinemas em 2019 depois de um longo período de produção.

Tessa Young (Josephine Langford, “7 Desejos”) é uma jovem de dezoito anos que acaba de deixar para trás sua pequena cidade, e com ela sua mãe Carol (Selma Blair, “Mãe e Pai”) e namoradinho de infância Noah (Dylan Arnold, “Halloween”), para ingressar na faculdade. Ela é doce, recatada e responsável, produto da firme educação de uma mãe autoritária. Na universidade, ela conhece sua companheira de quarto, Steph (interpretada pela estreante Khadijha Red Thunder), uma garota festeira e descolada que se mostra o oposto de Tessa. É Steph quem apresenta à protagonista seu objetivo para o filme: o sensível, fechado, tatuado, amante de literatura, bonitão e bad boy, Hardin (Hero Fiennes Tiffin, “Harry Potter e o Enigma do Príncipe”). Recomenda-se assumir que o nome do rapaz não é um trocadilho com a expressão “hard on”, que em português significa “ereção”.

Um apelo aos que não são fãs dos livros: em geral (há sempre exceções), o amadorismo por trás de uma “fanfic” traz impactos severos à qualidade de uma obra. É como querer fazer uma sopa que levaria 15 ingredientes, mas só se tem quatro deles em casa e o prato é feito mesmo assim. A história de Tessa é tão simples e adocicada que qualquer expectativa de acompanhar o longa com riqueza ou profundidade precisa ser reduzida a zero se quiser consumi-lo com alguma possibilidade de diversão. O universo de “After” é criado pela perspectiva de uma menina imatura, que teve uma adolescência reprimida, só que a nova fase da estudante continua sendo uma versão simplificada de um mundo de sonhos, que inclui a personificação de um garoto ideal no papel de Hardin. Tudo é muito raso e reduzido a estereótipos nessa história e, considerando a sua concepção como “obra feita por fãs”, é difícil esperar mais que isso.

Romances voltados para o público feminino, conhecidos pelo termo pejorativo “chick lit” (em inglês, “literatura de mulherzinha”), têm como elementos o escapismo e a representação de um mundo perfeito, sem qualquer compromisso com a realidade dos diversos tipos humanos (como mostra com humor o filme “Megarromântico” da Netflix). Tessa representa esse ponto de vista ideal. Seu par romântico gosta de livros tanto quanto ela, é sexy e atraente, sofre com problemas como os dela, trata ela com delicadeza, respeitando suas vontades, representa a independência que ela busca e, ao mesmo tempo, cuida e protege ela. O desenrolar desse relacionamento serve ao puro interesse de Tessa, sem surpresas nem dificuldade alguma. Até o livro sagrado para as fãs desse gênero de histórias, “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen, aparece como referência recorrente em “After” como piscadelas para sua audiência dizendo “este filme é para a gente”.

Como obra cinematográfica, a ausência de riscos que a história toma impacta também seu visual. Não há nada que ao menos tente tirá-la da mediocridade. Os clichês desse formato estão todos lá: o drama na chuva, o tesão dos personagens “molhados” dentro de um lago, a voz narrada que começa e termina o filme, além da longa seleção de canções melosas que surgem nas sequências como videoclipes. As locações escolhidas não são tão excepcionais como o filme parece acreditar. Os protagonistas representam arquétipos tão marcados que a caracterização dos outros jovens precisa sumir para que eles apareçam. Nas mãos de outro diretor, o mesmíssimo roteiro poderia ser produzido como uma paródia do gênero sem qualquer modificação. A impressão é que a adaptação ao cinema também foi feita por fãs. Até as cenas sensuais são mornas e não aproveitam o potencial dos atores. Pelo menos, o elenco selecionado fez um bom trabalho vendendo essa história. Eles são o “açúcar” na “água” que é “After”.

William Sousa
@williamsousa

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