Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 23 de abril de 2019

Atentado ao Hotel Taj Mahal (2018): “horrorismo”

Construído a partir de fatos, o filme conta uma história competente e sem censura acerca dos momentos de tensão vividos pelos envolvidos no chamado "11 de setembro" da Índia.

No dia 26 de novembro de 2008, a cidade de Mumbai, a maior e mais importante cidade da Índia, viveu o seu “11 de setembro de 2001”. Dez atentados terroristas sincronizados atingiram a capital financeira e, além da destruição de lugares icônicos e a promoção do terror, deixaram um rastro de sangue com mais de 190 mortos e outros 300 feridos. Entre tantos ataques que só foram terminar definitivamente três dias depois, “Atentado ao Hotel Taj Mahal” passa rapidamente – mas com energia – por dois e apresenta num terceiro ataque, no local que dá nome ao filme, um entretenimento robusto e cheio de tensão, com doses cavalares de dramaticidade que dão nó na garganta e sequências violentas que funcionam praticamente como seguidos golpes no estômago. O longa não poupa o espectador de imagens fortes e de sofrimento e o faz sentir, de maneira eficiente, as horas intermináveis de desespero dos funcionários e hóspedes do Hotel Taj Mahal.

Escrita por John Collee (“Happy Feet: O Pinguim”) e Anthony Maras, também em seu primeiro longa-metragem como diretor, a obra nos apresenta a um grupo de terroristas comandado por uma figura conhecida como Irmão Touro que, em nome de Alá, realiza os ataques. Eles acontecem numa estação ferroviária, numa cafeteria popular com turistas e depois no famoso Hotel Taj Mahal, onde o funcionário Arjun (Dev Patel, “O Homem que viu o Infinito”), ao lado de outros empregados, se arrisca para ajudar os hóspedes a sair com vida do lugar. Impossível produzir um filme sobre eventos trágicos e não levar em conta a vontade inerente de grande parte do público em assistir à comoção que eles causam, assim como, mesmo que de maneira doentia, à brutalidade dessas ações cometidas por animais. O diretor demonstra compreender essa “necessidade nociva” que vem com essas histórias e a entrega sem pudores.

Com uma câmera inquietante que registra a crueldade sem economizar e busca enquadramentos angustiantes (vide as cenas no hall do Hotel), nos deparamos com um trabalho intenso do diretor ao retratar a maneira brutal com que os terroristas agem contra suas vítimas. Eles riem de suas ações e são calmos para matar, jamais nervosos, pois têm a certeza de que Alá os perdoará e os receberá no paraíso graças ao seu feito. A interpretação dos atores que dão vida aos terroristas é outro fator que eleva a força da narrativa, já que eles encarnam seus personagens com bastante desumanidade. Ainda que as atitudes deles sejam abomináveis e injustificáveis, o roteiro habilmente consegue apresentar situações em que alguns personagens deixam transparecer sua origem frágil e um intelecto débil, que os impossibilita de enxergar que o mentor deles não se importa com seu destino mortífero, ao passo que seu Deus também não os espera em um paraíso. Esse é mais um ponto delicado no qual o argumento de Collee e Maras choca e faz valer a precisão.

Do lado das vítimas do atentado, a narrativa conta com atuações corretas de Armie Hammer (“Me Chame pelo Seu Nome”) e Nazanin Boniadi (“Ben-Hur”) que formam um casal de hóspedes importantes, Tilda Cobham-Hervey (“O Sonho de Greta”), a babá do filho recém-nascido do mesmo casal, e Jason Isaacs (“A Morte de Stalin”) que surge como um russo arrogante, cuja participação tenta ser fundamentada no final, mas parece mesmo dispensável. O destaque desse núcleo vai para Anupam Kher (“O Lado Bom da Vida”), que na pele do cozinheiro chefe do Taj Mahal consegue extrair simpatia e um bom senso palpável mesmo diante do perigo, e claro, ao protagonista Dev Patel. Já muito familiarizado em dar vida a personagens comuns determinados e em busca de superação como em “Lion: Uma Jornada Para Casa” e “Quem Quer Ser Um Milionário?”, ele não tem trabalho em conferir ao funcionário Arjun as características de um herói da vida real, além de contornos mais dramáticos.

O alto teor de dramaticidade do longa pode gerar certos desconfortos em algumas sequências, pois o roteiro comete alguns exageros em certos diálogos a fim de ressaltar a façanha da equipe do hotel, que jamais perde a deixa para enfileirar uma frase de efeito melodramático. A montagem pratica o mesmo excesso quando, por exemplo, justapõe a imagem de um dos terroristas preparando sua arma sobre a de um inofensivo bebê. O diretor gosta de brincar com a overdose de elementos e, na maioria das vezes, sabe como tirar proveito deles. Afinal, está contando sobre uma tragédia, e essas costumam apresentar muitos superlativos. Seguindo uma batida pesada, excitante, triste e emocionante do começo ao fim, “Atentado ao Hotel Taj Mahal” desenvolve sua narrativa (que poderia ser um pouco mais enxuta, é verdade) de maneira muito eficiente e contundente, mostrando-se capaz de entreter o público com o seu clima mórbido e dilacerante.

Renato Caliman
@renato_caliman

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