Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de abril de 2019

O Date Perfeito (Netflix, 2019): a comédia romântica encontrou sua casa

Netflix acerta novamente e mostra que entende como ninguém o gênero da comédia romântica e sabe como trabalhar com ele.

A Netflix parece ter percebido uma certa preferência de parte do seu público por comédias românticas e vem investindo pesado no gênero. Entre erros e acertos, o grande mérito da gigante do streaming está em não se apoiar em uma única fórmula de sucesso, mas sim compreender bem e brincar com todos os paradigmas desta categoria de filmes que funciona tão bem quando o assunto é acalentar os corações dos queridos espectadores. Assim, “O Date Perfeito” é mais um exemplar que transforma uma história já velha e batida em algo renovado e atualizado para o público de hoje.

O sujeito da vez é Brooks Rattigan, mais um jovem interpretado pela joia da casa Noah Centineo (“Sierra Burgess é uma Loser”). A vida do rapaz, até então limitada entre a escola e o trabalho em uma lanchonete, acaba dando uma guinada depois que Reece (Zak Steiner, da série “Jessica Jones”) faz uma proposta: pagar para Brooks levar a sua prima Celia Lieberman (Laura Marano, “Lady Bird: A Hora de Voar”) a um baile estudantil. O que parecia uma oportunidade passageira de ganhar um dinheiro fácil acaba se mostrando uma chance de algo muito mais valioso. Contudo, nosso protagonista talvez não esperasse encontrar alguém com uma personalidade tão forte quanto a de Celia, capaz de bater de frente não só com ele, mas com o mundo inteiro sozinha.

Dentro do clichê a que se propõe seguir – ideia vista desde meados da década de 1980, como em “Namorada de Aluguel” e “Loverboy – Garoto de Programa” -, Celia funciona muito bem como uma modernização da desinteressada que passa a se importar com o protagonista com o decorrer do filme. Isso porque a mudança no comportamento da personagem não se mostra forçada apenas por uma simples decisão de roteiro; ela se mantém firme em suas convicções até mesmo quando tudo parece indique que Brooks é o cara certo pra ela. E Laura Marano revela-se uma escolha mais do que acertada para o papel, equilibrando os vários momentos de dureza característicos do papel com o sentimentalismo emocionante de alguém que se vê frente a frente com todas as lembranças ruins e ainda se mantém firme. Além, é claro, das pitadas de doçura que uma comédia romântica exigiria – estas guardadas lá para o fim.

Mas para que tudo isso aconteça, temos a apresentação da ideia que move a narrativa. Sonhando em ser admitido em uma universidade cara e impulsionado pela boa desenvoltura mostrada no “trabalho” com Celia, Brooks decide arrecadar dinheiro cobrando para acompanhar garotas que procuram um “encontro perfeito” – esse que provavelmente seria o título do filme, caso fosse lançado muitos anos atrás. Mas como a Netflix embarcou na missão de atualizar fórmulas e clichês das comédias românticas, “O Date Perfeito” só é possível caso a pretendente baixe o aplicativo desenvolvido por Murph (Odiseas Georgiadis, “The Post: A Guerra Secreta”), colega de trabalho e único amigo real de Brooks. O app é capaz de definir que tipo de “rolê” e qual personalidade será exigida pela cliente para o seu “namorado de bolso” na ocasião.

Aliás, versatilidade não é algo mostrado apenas por Brooks Rattigan, mas também (com maestria) pelo seu intérprete. Centineo é um dos rostos mais lembrados do gênero atualmente, muito graças à sua atuação que esbanja naturalidade, além de dificilmente estar ligado a papéis de garotos superficiais, com corpo de mais e alma de menos. Seu Brooks é complexo e possui dramas tão críveis quanto qualquer um de idade semelhante, o que causa uma identificação quase que imediata com o personagem.

A propósito, dramas, ainda que de forma superficial, não faltam em “O Date Perfeito”. A presença de um coadjuvante gay não se mostra existir apenas para agradar uma parcela do público. Ela é importante para que cada vez mais as minorias possam se ver representadas nos mais diversos papéis, mostrando que qualquer um pode ser o que quiser. E Murph é a prova disso: não se trata de tomar o lugar dos outros, mas de coexistir em harmonia. De que adianta existirem um milhão de filmes com a mesma narrativa, se nenhum deles inclui um personagem diferente dos padrões? E tanto as cenas com Murph quanto as com o pai de Brooks (Matt Walsh, “As Viúvas”) são importantes pois, apesar de poucas, são eficientes em construir os dramas de cada um, além de aumentar ainda mais a complexidade de uma história aparentemente rasa. Para harmonizar com isso, só mesmo uma trilha sonora sempre presente e com uma pegada animada e cativante, fazendo a balança da comédia romântica pender para o lado mais agradável.

Entre os vários encontros arranjados e os momentos em que Brooks e Celia estão juntos – isso inclui um tentando ajudar o outro a conquistar seus respectivos crushes -, a química entre os dois se mostra afiadíssima. Não é fácil construir uma relação tão leve e encantadora quanto essa em apenas 90 minutos, e “O Date Perfeito” faz isso com perfeição. Aliás, leveza é a palavra certa para definir esse filme. Como um bom passatempo, o objetivo é sair mais feliz do que entrou, e isso é quase uma certeza ao fim da sessão.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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