Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 14 de abril de 2019

Quase 18 (2016): o turbilhão da adolescência

O amadurecimento em direção à vida adulta é a base dessa comédia dramática simpática, mas que trata de forma irregular seus personagens.

A adolescência é um tempo em que os dramas e as dores parecem mais intensos. As perdas insistem em não cicatrizar, as transformações para a vida adulta apresentam mais incertezas e lacunas do que respostas seguras, e o lugar no mundo aparenta ser um desafio complexo e incompreensível. A jornada em direção à maturidade, com seus altos e baixos, é o tema de “Quase 18”, tratado com um realismo que inspira rapidamente a identificação do público.

Essa identificação é construída a partir do roteiro que acompanha a trajetória comum e facilmente reconhecível de Nadine (Hailee Steinfeld, “Bumblebee”) uma estudante que enfrenta uma difícil situação em sua vida escolar e pessoal: ela não é popular e, por isso, sente dificuldade em se relacionar com seus colegas. Além disso, ela também não vê com bons olhos o namoro de sua melhor amiga Krista (Haley Lu Richardson, “A Cinco Passos de Você”) com seu irmão Darian (Blake Jenner, “American Animals”). Sentindo-se solitária porque não tem uma boa relação com a mãe Mona (Kyra Sedgwick, “À Beira do Abismo”) desde a morte do pai, ela só encontra algum apoio no professor de História Mr. Bruner (Woody Harrelson, “Estrada Sem Lei”) e no novo amigo Erwin (Hayden Szeto, “Verdade ou Desafio”).

O arco dramático vivido por Nadine se relaciona ao tipo de filme feito por John Hughes e por James L. Brooks (produtor do longa): os jovens são tratados como sujeitos conscientes, sem infantilizações e com uma ternura própria. Essas influências absorvidas pela diretora Kelly Fremon Craig (“Recém-Formada”) fazem com que seu estilo de filmagem seja simples e funcional, priorizando movimentos de câmera e enquadramentos tradicionais que permitem ao roteiro ser o elemento de maior destaque. A partir daí, é possível entrelaçar humor e drama em situações que variam entre tais estados de espírito e indicam como as passagens da vida do adolescente são o entrecruzamento de sofrimentos e alegrias, muitas vezes passageiros. Se por um lado, a protagonista pode sofrer com discussões em casa, por outro, ela pode se divertir com um novo amigo.

O ponto de partida para a construção de sua história é a boa atuação de Hailee Steinfeld como Nadine. A atriz transita bem entre as diferentes variações emocionais da personagem e convence como uma jovem que poderia estar enfrentando desafios extremamente duros e significativos em sua concepção. Na primeira cena, ela declara ao professor que pretende se suicidar (uma reação exagerada diante de um problema menor). Em um breve flashback, aparece ainda criança se sentindo isolada quando não tem por perto o pai ou a melhor amiga. Já na adolescência, discute constantemente com o irmão, de quem sente ciúmes, e com a mãe, com quem não se entende bem. Nesse mesmo período, volta a sentir solidão quando Darian e Krista se envolvem e quando não consegue se aproximar de um garoto que gosta. Em sua trajetória, somente a relação com o pai e seus desdobramentos futuros são mal trabalhados em sequências apressadas que não evocam as emoções em jogo.

Algumas interações com outros personagens também conferem força à narrativa, especialmente quando se trata de seu irmão Darian e do professor Bruner. A relação fraternal entre os dois é movida por altos e baixos, discordâncias e diferenças de personalidade comuns em famílias de classe média que não parecem ser resolvidas imediatamente, pois são produto das circunstâncias. A construção do papel e a atuação de Blake Jenner, inclusive, evitam a criação do estereótipo do jovem musculoso e sedutor ao lhe dar mais camadas dramáticas ligadas às suas obrigações na família. Já o professor de História protagoniza as melhores cenas de humor ao lado de Nadine, através da inusitada relação entre mestre e aluno marcada por provocações e deboches mútuos – algo reforçado pela interpretação de Woody Harrelson, que se diverte no papel e também pode quebrar expectativas pré-concebidas sobre seu personagem.

Porém, outros papéis e suas funções na narrativa não são tão bem trabalhados assim. Krista tem um papel importante como melhor amiga apenas no início do filme e, após a briga entre elas, é relegada a uma posição tão periférica que nem o seu desfecho na trama é feito atenciosamente. A mãe Mona surge em momentos esporádicos e insuficientes para desenvolver o relacionamento conflituoso com a filha e suas contradições em relação ao filho, sendo também uma personagem que tem seu desfecho resolvido apressadamente. Já o amigo Erwin tem sua relevância para a evolução dramática de Nadine, mas é escondido e revelado constantemente pela narrativa até ter seu arco concluído de modo igualmente apressado.

Mesmo sem pretensões artísticas e narrativas complexas e desafiadoras, “Quase 18” busca a diversão e o retrato do período da adolescência com a maior fidelidade possível. Em parte, seu objetivo é alcançado graças ao desenvolvimento de alguns personagens, como Nadine, Darian e Bruner, e aos acontecimentos naturais daquela idade, retratados em uma progressão de fácil identificação pelo espectador. Apenas em parte porque outros papéis, como Krista, Mona e Erwin, e suas próprias trajetórias são negligenciados e tratados de forma confusa pelo roteiro e pela direção. Algo que diminui a dose de diversão e de expressividade de sua mensagem.

 

 

Ygor Pires
@YgorPiresM

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